O SUMIÇO DO ANEL

A moça é pesquisadora. Investiga, com cuidado e presteza, documentos do passado. Procura reconstruir a história da terra e o viver de personagens que não mais habitam este mundo há tempos. Em companhia de outros estudiosos, desvenda coisas relacionadas às pessoas que viveram até mesmo há trezentos anos. Ou menos. Ou mais.Quando pára para pensar, chega ela a conjeturar se está lidando com fantasmas, com o sobrenatural, com gente de outro mundo.

E, não é que, dia desses, ela passou por intensa perturbação?

Como de costume, chegara em casa ao entardecer, depois de mais um dia absorta, meio a documentos e objetos de interesse artístico, histórico ou técnico, ainda refletindo sobre quem, na verdade, teria tocado naqueles objetos ou sobre quem seria o avô do tio do fulano de tal, cunhado de sicrano......... Logo, dirigiu-se a seu quarto, para tomar um bom banho e sentir-se de novo com o cheiro do presente.

“Mas, onde está o meu anel? Tenho certeza de que saí de casa com o anel, que só sai de meu dedo na hora do banho e volta logo após.... Isso, há mais de quinze anos!”

Era um anel de prata, uma jóia vistosa, de peso, vinda do Peru. Objeto de grande estimação, sabe-se lá se lhe ofertado por algum amor com quem vivera uma grande história em algum tempo passado, porém desta sua vida neste planeta.

Revirou a casa, mesmo tendo certeza de que o anel não poderia ter sido largado em algum lugar da casa, ou mesmo saído de seu dedo, assim, sem mais nem menos. Na manhã seguinte, transtornada, procurou o anel por todos os cantos do museu onde trabalha. Nada! Ninguém sabia, ninguém vira a jóia. Porém, todos se lembraram que ela estava com o anel, pelo menos, até o momento do lanche da tarde, quando estiveram juntos. Chegaram até mesmo a lhe repetir a pergunta sobre a história daquele anel. De propósito. Para ouvirem a resposta evasiva, de sempre.........“ah!”. Para verem o fulgor instantâneo que surgia no seu olhar.

Passaram-se sete, dez, doze dias e nenhum sinal do anel. Ela até já havia se apegado a todos os santos advogados de coisas perdidas e nada do anel aparecer. A pesquisadora até mesmo passou a pensar em gentes do além-mundo.

Nesse meio tempo, o museu havia recebido em doação, alguns objetos salvos do legado de uma senhora de 94 anos, recém-falecida. E nesse dia, o décimo terceiro, após o sumiço do anel, a moça já havia vasculhado, por repetidas vezes, todos os cantos da casa e do lugar de seu trabalho. Então, foi para a sua sala de trabalho, pois havia anotado em sua agenda que, pelas dez da manhã, deveria receber alguns visitantes que queriam ver os novos antigos tesouros chegados ao museu: um bandolim do início do século XX, diversas partituras musicais de autores desconhecidos e também de autoria da dona do legado, livros religiosos, cartas e a máquina de costura, uma preciosidade, movida à mão, capaz de fazer duzentos pontos por minuto e que abolia o trabalho penoso de se emendar os panos, ponto por ponto, para fazer as vestes de todos os povos daquele tempo.

O modelo dessa máquina de costura é coisa patenteada na metade de século XIX, movida pela força de uma das mãos, quase que somente feminina, durante uma centena de anos. Passou a ser menos usada após a invenção do pedal, que lhe deu mais agilidade para dar pontos, com o uso do movimento dos pés. Daí, foi pouco o tempo gasto para o aperfeiçoamento de rolamentos e engrenagens movidos à eletricidade, que permitiu a construção de uma máquina de costura veloz, capaz de fazer mais de sete mil pontos por minuto.

O leitor já deve estar se perguntando o que tem a ver a invenção da máquina de costura com o sumiço do anel. Na verdade, com o descaminho do anel, de maneira misteriosa, sem que ela própria o houvesse retirado do dedo, a pesquisadora passara a perder horas de seu sono. Que enigma era aquele do sumiço da sua jóia de prata peruana, de grande estima.

Após mostrar aos visitantes as partituras de músicas sacras, com ou sem a assinatura de defunta, depois de mostrar os livros de orações, o bandolim, que acabou encantando um deles, que é violonista, a moça chamou-os para a sala onde se encontrava a máquina de costura, que estava ainda guardadinha em cima de uma estante, dentro de um saco de plástico, à espera da catalogação, para então ficar exposta junto a outros objetos da antiguidad, que integram o patrimônio daquele lugar. Nas pontas dos pés, a pesquisadora puxou o saco e pediu ao visitante violonista para ajudá-la, que o objeto não era leve como as modernidades dos dias de hoje, feitas de plástico ou de qualquer outro material que lhe acaba dando uma qualidade inferior.

Ao puxar a antiga máquina de costura que estava no alto de uma estante, ouviu-se um ruído de um objeto pesado caindo no chão. Todos pensaram que fosse uma peça da máquina que se desprendera e ficaram procurando-a no chão. Até que ouviram um grito da pesquisadora.

Não era nenhuma peça de máquina de costura que havia caído. Era um anel de prata peruana, o mesmo que havia desaparecido há treze dias. Todas as pessoas que estavam na sala ficaram pálidas. Como poderia ter acontecido tal coisa? Nem os funcionários, nem os visitantes, nem a moça conseguiram entender.

Sei que, até ontem, quando conversamos sobre o assunto, ela ainda estava sem norte. Haveria alguma coisa relacionada aos antepassados, dos quais ela vivia revirando a vida?

Terezinha Pereira é membro da Academia de Letras de Pará de Minas.

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Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 26/02/2008
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