Enseada de Botafogo


ONDE TUDO COMEÇOU

               Igual a toda gente eu, um dia, fui criança, e criança feliz! Como não haveria de ser se cresci numa vila de casas onde todos se conheciam? Por esse motivo as crianças gozavam de uma relativa liberdade e, também, de uma certa proteção, pois havia sempre algum par de olhos em cima delas.
 
                     Não faço idéia do lugar em que meus pais moravam na época do meu nascimento. Sei que nasci no Hospital São Francisco de Assis, localizado num dos bairros mais mal afamados do Rio de Janeiro - o Mangue. Nada recomendável, não é mesmo? Questão de ponto de vista.

                     Para mim minha vida começa ali, naquela vila. O que aconteceu para trás não tem qualquer significação, sequer memória.

                     Botafogo. Rua Bartolomeu Portela, número 29, casa 15. Áinda está lá, no mesmo lugar, posso assegurar com toda certeza. Fica logo depois do Mourisco, passando pela Policlínica, mas antes de virar à direita na direção do Túnel novo para sair em Copacabana. Isso naquele tempo, lá pelos idos de 1940/1950. Hoje, certamente, está tudo mudado: o túnel Novo já deve ser considerado velho e, possívelmente está em desuso.

                     A vila de que falo estava situada numa rua pequena, sem saída, transversal à Avenida Pasteur. Se continuássemos em frente na Avenida Pasteur chegaríamos à Praia Vermelha; virando um pouquinho á esquerda, depois do Iate, estaríamos na Urca. Um local privilegiado, sem dúvida!

                      Em um dos lados da rua, ocupando-a mais da metade, havia um eneorme terreno baldio cheio de mato (e de mistérios), totalmente proibido para mim. Futuramente nesse terreno seria construído o Clube Monte Líbano onde, toda quianta-feira à tarde, eu ia assistir às aulas de balé e sonhar com meus dotes de bailarina frustrada.

                      Minha casa e as demais ficava extamente por trás desse terreno. O outro lado da rua era ocupado por edifícios de apartamentos. As pessoas que moravam nos edifícios pertenciam a uma classe social diferente das que mroavam na vila, mas nós crianças  não sabíamos disso. Éramos todos iguais disputando os mesmos jogos e dividindo, inclusive, brinquedos que umas tinham e outras não, como bicicleta, patins e bola de voley.

                       Eu, apesar da minha classificação de pobre (de que nunca me dei conta), tinha patins e bola. Não tinha bicicleta, andava na dos outros. Minha mãe dizia que era muito perigoso por causa do movimento dos carros. Só ganhei uma bicicleta quando  nos mudamos para Realengo, e o movimento das ruas era bem  menor.

                       Pois é, foi aí, nessa rua que desfrutei de todas as brincadeiras possíveis e cometí algumas travessuras: quebrei a cabeça com uma pedrada, torci o pulso jogando bola, enfiei um prego no pé, levei mordida de cachorro... brinquei de pique, de roda, de estátua, de casamento japonês, de batatinha frita 1-2-3, soltei pipa, rodei pião... e não sei mais quantas brincadeiras deliciosas que somente a fértil imaginação de uma criança é capaz de inventar.

                        Essa é a rua da minha infãncia, minha rua de menina, de tantas recordações e de muita 
saudade.


                                            março-1996