Pesquisa na periferia

_ O seu nome, por favor.

_ Maria de Gesus, escreve aí com g de janela.

_ Quantos filhos?

_ Os que Deus me deu, que são dois, mais uma menina que veio morar comigo quando a mãe dela fugiu com o patrão.

_Mas o que é que eu coloco aqui? Dois ou três?

_Põe quatro, moço, porque até eles lerem o papel já chegou o do meio.

_A senhora pretende então ter mais um filho depois que nascer esse que a senhora está esperando?

_É, porque o caçula eu quero ter mesmo é com meu marido, que há de voltar para encerrar a família.

_E quem é o pai dos dois que a senhora já tem?

_ Do mais velho é o Juvêncio, depois eu me casei com o Zé Flávio, mas dele eu não tive nenhum, não. Ele teve que ficar foragido por uns tempos e aí nasceu o Andorfo. O Zé pensava que era dele, mas se ele fizesse direito as conta, ia ver que tava enganado, ninguém nasce de onze meses, né, moço?

_E a senhora não tem dificuldade para educar as crianças?

_Não, é a mesma coisa falar com um ou com três, ligar a televisão pra um ou pra três, pedir comida pra um ou pra três. A coberta que cobre um cobre os outros e depois que dorme a gente nem liga pra coberta, né, moço?

_ E o senhor, tem muitos fios?

_Sou solteiro.

_ O senhor não quer acabar de escrever na mesinha que a gente tem na sala? O senhor vai perguntando enquanto eu passo um café. O moço deve de tar com fome. A vizinha disse inda agorinha que tava acabando de assar uns pãozinho e que ia trazer uns pras crianças.

_Não, minha senhora, ainda falta a casa da esquina.

_ Lá não tem ninguém, não senhor. A mulher de lá foi-se às pressa com o Zé Flávio,o senhor meu marido, quando o marido dela garrou a desconfiar dela com o meu.E o homem sumiu que nunca ninguém mais ouviu falar dele. Depois já é tarde pro moço continuar escrevendo essas história que a gente conta conforme o moço vai perguntando. O senhor de onde é mesmo? Vamos entrando que vizinho aqui pra ficar pensando bestera da gente não custa, e o moço pelo jeito não gosta de confusão e falatório, pois não? Vamos entrar porque o tempo quando arma daquele lado, a chuva vem loguinho e aqui quando chove forma um aguaceiro que o moço não consegue mover os passo. Essas perguntas tão me cansando um pouco, não sabe? Chega vai me dando uma zoeira. Acho que o senhor devia era dormir por aqui mesmo. Amanhã bem cedo o senhor pode perguntar o quanto faltar e pode pôr tudo aí no papel. Pode pôr o paletó ali na cadeira. E ocês, menino, vão ver se brinca um pouco pro moço descansar.

Neusa Storti Guerra Jacintho
Enviado por Neusa Storti Guerra Jacintho em 29/02/2008
Reeditado em 28/11/2009
Código do texto: T880471
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