BARATAS, FORMIGAS, RÃS E COMPANHIA LIMITADA (Comentando texto do jornalista Domingos Pascoal de Melo)

Eu já disse, Pascoal, que você é anjo. Olhe aí, agora é o defensor das formigas, baratas, rãs e tudo o mais que tenha vida. Eu espero que você não se depare com um leão, pois no meu caso, estivesse armada, meteria bala nele. Como dizia meu pai, antes ele do que eu.

Existe um poema de um poeta brasileiro que apresenta uma cena semelhante à de sua crônica, só que a formiguinha atravessava uma folha de papel em branco onde o poeta desejava colocar sua inspiração. E desistiu porque considerou aquela minúscula manifestação de vida mais importante do que o poema que ansiava por ver a luz do dia. Eu também tenho um poema onde uma formiga passeia elegante, solene e indiferente sobre documentos em um birô de um banco. Conforme se pode ver, quão importante é uma formiguinha!

Por outro lado, fui vizinha de um rapaz que, se encontrasse uma só formiga no açucareiro, jogaria no lixo, incontinenti, todo o seu conteúdo. Tinha horror à esses animaizinhos que, segundo ele, são habituées de cemitérios, comedores de cadáveres e mais nojentas do que moscas.

Nesse particular de nojo, eu mesma tenho verdadeiro horror às baratas. Não esqueço de quanto odiei ler A paixão segundo GH, de Clarice Lispector, e também de uma noite em que me acordei assustada, sentindo algo caminhando sobre meus lábios. Instintivamente tangi aquela coisa e com o tapão empregado devo tê-la machucado a ponto de sentir um cheiro horrível que me persegue até hoje.

Mas, mesmo assim, não consigo deliberadamente matar animais, nem sequer usar papéis que colam moscas. Achava um terror quando a minha mãe matava galinhas criadas no quintal, cortando fria e tranqüilamente o pescoço da ave e deixando escorrer o sangue numa tigela enquanto segurava firme o pescoço da vítima.

A lei da natureza é a lei do mais forte e cada situação é ímpar. Você se lembra de haver conversado com formigas nas paredes quando era criança? Eu não só conversei como tive muitos companheiros nessa inocência infantil. As meninas falavam com as formigas e os meninos passavam por cima delas quais tanques de guerra. Também brincavam de amarrar com um barbante o pescoço das lagartixas, arrastá-las pelo chão e, quando cansados de fazerem delas brinquedos, giravam as coitadas e sacudiam-nas contra as paredes até a cabeça do animal se separar do corpo.

Nem sempre percebemos a nossa condição de formigas perante as forças da natureza, mas um dia o bicho nos pega e seremos cobrados na mesma moeda. Além do mais, comemos animais para sobreviver e dificilmente se escapa da cadeia alimentar, seja do ponto de vista biológico ou da construção de metáforas. As formigas estarão lá, no cemitério esperando os seus vencidos, sob cujas solas suas irmãs foram esmagadas. É a vida.