DE VOLTA DE PASÁRGADA

DE VOLTA DE PASÁRGADA

Vivera dias felizes. Dormira na cama que quis. Namorara todas as prostitutas bonitas. Tinha sido amigo do Rei. A civilização fora outra.

Na viagem de volta recolhi-me ao eu. Vi nada da estrada percorrida. Estava totalmente envolvido com o ego. Fiquei a conversar com o subconsciente. Estava muito abalado com a expulsão do país dos sonhos. Temia pelo meu futuro. Acostumado com a boa vida, certamente ficaria traumatizado com as agruras da sobrevivência. A dor da partida custaria a passar.

As leis precisam ser novamente respeitadas. Precisam? Elas existem?

Existem. No papel. Nos gabinetes dos advogados. Nas salas dos juizes. Eu, pobre retirante de Pasárgada não as conheço. Por isso, não posso cumpri-las. Aliás, quem as cumpre? Cada qual reconstrói sua própria Pasárgada. Vive nela o tempo que lhe aprouver ou que a justiça deixar.

A justiça precisa ser novamente respeitada. Precisa? Ela existe?

Existe. Nos subterrâneos desta civilização. Nas bocas de fumo. Nas articulações dos subterfúgios. Eu, pobre retirante de Pasárgada, não a conheço. Por isso, não posso respeitá-la. Aliás, quem a conhece? Cada qual faz o favor que pode ao rei da área em que mora. Sua Pasárgada durará enquanto o braço direito do rei não a aniquilar.

Meu ego quer se revoltar. Deseja loucamente adotar a cor amarela da Ásia. Quer mudar o estado das coisas. Quer conhecer a sociedade dos políticos mortos. Ou será a Sociedade dos Poetas Mortos? Não pode ser. Os poetas são imortais, por serem incorruptíveis. Os políticos? Sim, os políticos! Não. Não há políticos em Pasárgada. Só há o Rei. Sou, aliás, era amigo dele!

O inconsciente está sempre na mesma despreocupação. Sorte sua! Tem nada a revelar mesmo. Não se lembra de Pasárgada. Seu único problema são os pesadelos e os sonhos de infelicidade causada pela expulsão. Precisa resolver isso na sua dimensão. Ele é seu próprio juiz e sua definitiva lei.

A longa viagem parece chegar ao fim. Já posso ver as favelas. Sua extensão parece ter aumentado desde quando fui embora prá Pasárgada. Também vislumbro, ao longe, os bairros ricos e o centro. Ah! que edifícios enormes, os de hoje! Ou será vertigem?

Existe vertigem? Existe! São números bilionários! Podem tudo! Mandam em tudo! Têm tudo! É a Pasárgada judiciária, legislativa e executiva.

Executiva? Quem executa?

Todo aquele que não acredita em Pasárgada!

Socorro! Posso ser executado a qualquer momento!