Lições de um Gato Triste

Hoje, declarei o meu querer. Falei de tudo que guardava no meu íntimo. Trouxe para a luz, tantos sonhos cheios do mesmo rosto. E agora, sozinho no meu quarto, me sinto temeroso e angustiado, pois minhas ilusões correm risco, um perigo que não pude evitar. É que ficou difícil conter o que meus olhos já denunciavam: Um sentimento incurável, transbordante, por vezes, mal-criado, rebelde, determinado.

Hoje, me sinto nu de mim mesmo. Não tenho mais segredos, nem posso mais sonhar. Minha surpresa de amor – que esperava ser uma das boas, porque como diz uma amiga minha: ”nem todas as surpresas são boas” – já virou manchete popular. Só meu gato parece não ligar. Sempre perto de mim, esfregando-se em minhas pernas, talvez, admirando a coragem do dono.

Lembro-me, agora, da ocasião em que a rua toda, andava a comentar o comportamento do meu bichano: diziam que ele estava doente e seus gemidos eram prova de sua enfermidade, pois deu pra miar e gemer o dia todo – o que incomodava o sono da vizinhança.

Preocupado com a brevidade da vida, levei o bichano para um “check-up” no veterinário. Após um curto tempo de espera, saiu o diagnóstico: o gato estava com uma saúde invejável e seu encontro com uma ”morte-morrida” ainda ia demorar. Estava com as sete-vidas em dia.

Na saída do consultório, com meu gato nos braços ainda meio mole devido o sedativo que lhe aplicaram, o médico, notando meu ar confuso, em tom de brincadeira me disse que só podia ser amor. Esbocei um sorriso, quase um deboche frente a tal informação, virei e fui embora.

No outro dia, logo cedo, recomeçaram os gemidos e miados – para o desespero dos vizinhos. Os gemidos duraram mais uns três dias, depois cessaram... Meu gato, agora, andava num mórbido silêncio, deitado no quintal, parecia mais um múmia felina, de tão parado que ficava.

Um dia, olhando aquilo onde outrora habitou a alma de um gato, que corria feito criança abençoada, que arranhava minha cama, que não podia ver um objeto quieto no meio da sala, que roubava minhas meias para brincar; fiquei me perguntando qual o motivo da brusca mudança de espírito do meu Saul – nome do dito-cujo. Depois de um tempo, cheguei numa cruel coincidência: Os gemidos haviam começado, dias após a mudança dos moradores da casa de frente pra minha, que levaram junto uma gata siamês de nome Lili, por quem meu gato, há tempos, andava de juízo torto. De repente, entendi a situação; o diagnóstico já havia sido dado na saída do consultório do veterinário que, numa piada que no momento me pareceu infeliz, me alertou sobre sentimentos compartilhados entre homens e bichos.

Os gemidos eram na verdade, chamados pela amada, cantos de quem foi privado de um bem. Repetia em cada miado: Lili...Lili...Lili...e muitas foram as vezes que ele ia na calçada e, constatando a cruel situação, se recolhia à sua sombra no quintal. Pobre, Saul!

E foi assim, vendo o exemplo do meu pobre gato que não teve tempo de viver um amor na calçada, que hoje me declarei para minha amada. Pois, aprendi que o tempo de amar é curto, tanto para homens como para gatos.