TRAGÉDIAS CÔMICAS DE AMÉRICA # 1

Diria que era T.P.M., se não estivesse menstruada. Não sabia dizer o porquê, mas aquele dia estava difícil.

Entrara no avião com um frio da porra abaixo de zero, saíra 4 horas depois já desamimada só por saber do calor infernal de Miami que a esperava do lado de fora do aeroporto. “Que diabo que mudou?” – perguntava-se... fizera, pouco tempo antes, o mesmo trajeto, só que do friozinho aconchegante da mansidão da neve ao calor sensual dos trópicos...

Nada tinha mudado, conferia, ainda amava a mesma pessoa, com a mesma intensidade, (não correspondida, mas isso também não era uma mudança), morava no mesmo lugar, mesmo emprego, os mesmos três malditos quilinhos a mais... Não havia mudado nada, mas, de alguma forma, ela havia mudado. Nem o fondue de lá, nem as margueritas de cá tinham mais a menor graça.

“Que merda!” – concluía ela – “pelo menos..." - debochando da pópria miséria - "graças a deus, eu não sou homem, só me faltava ficar brocha... Ser mulher é maravolhoso... cadê meu atroveran?... Puta cólica do caralho!...” – divagava enquanto vasculhava sua típica bolsa-de-mulher, cheia de tudo o que a gente pode precisar e nunca consegue achar quando precisa.

“Ok meu bem, vamos nos organizar:” – negociava consigo mesma enquanto resgatava sua mala diferenciada por uma fita amarela amarrada na alça (“fita amarela pra dar de presente prá ela”... sempre se lembrava dessa canção que vinha de algum lugar de sua infância) na esteira rolante de número 4 do portão D...

Sempre gostara de tons discretos, básicos, mas questionara seriamente essa preferência quando da sua primeira viagem internacional, lembrava-se de si mesma, numa outra esteira, num outro portão, num outro aeroporto... “Por que que eu não comprei uma mala pink? Rosa-schock mesmo!” – perguntava-se enquanto olhava pra loira de autenticidade questionável e saia de ‘oncinha’ que resgatava sua bagagem inconfundível sem a menor dificuldade... “Por que meu Deus??? É tudo igual! São todas pretas, porra!”

...“Então, fofa, primeiro a gente acha o carro no estacionamento” – continuava consigo mesma... sempre tivera problemas de localização espacial... esquerda é a mão do relógio, sem relógio era “pra lá e pra cá” mesmo... chegando em casa... não esquecer de molhar as plantas, ligar o ar-condicionado – isso é importantíssimo, que eu já estou derretendo – a mala fica pra amanhã, ai que saudade do meu sofá...” – pensava seguindo a lista – “ai eu quero me livrar desse salto alto, idéia mais besta, voar de salto alto... preparar um scotch...” - e a mera idéia lhe dava náuseas...

Apreciava o álcool tal qual apreciava o sexo... claro que entre qualidade e quantidade, a qualidade fala mais alto... mas as duas juntas é infinitamente melhor... “Eu não bebo prá ficar bêbada” – explicava ela – “bebo porque gosto de beber, ficar bêbada é um fato absolutamente alheio à minha vontade e eu sou a primeira a registrar meus protestos!... Entre trepar e gozar é o mesmo contexto... só que sem os protestos.." – sempre brincava, mas a verdade é que até mesmo esse apetite perdera – o álcool, não o sexo... “Puta que pariu!”” – esbravejava – “Até isso? Merda! Chazinho aos trinta e seis... que que eu vou beber aos cinquenta? Cianureto????” –em voz alta, enquanto procurava o dinheiro na mesma malfadada bolsa, sob o olhar perplexo mas não verdadeiramente interessado da cobradora na chancela do estacionamento, a qual, a propósito, nem poderia entender porcaria nenhuma, porque ela não fala protuguês...

Deixara o Brasil sem remorsos nem saudades, deixara por amor, mas com amor ou sem amor, voltar não voltaria, isso lhe era bem claro, todavia apavorava-lhe a idéia de se envolver com alguém nativo,

um gringo, uma gringa.... que fosse... a despeito das diferenças culturais...“Se neguinho arrotar na minha cara no meio da janta, eu vomito!” - tinha certeza, mas o que lhe apavorava mesmo era a idéia de ter que se concentrar e perder toda a naturalidade na hora H... imagina... tanta coisa acontecendo e ter que se concentrar para dizer “Oh yes, baby... oh yes, oh my god... do you like it like that?...” ao invés de “vai, vem fuder a Sua Mulher... você gosta assim?...” – “Ninguém merece!” – concluía ela... - “Iria me sentir n'um pornô de quinta categoria... com som de videogame no fundo... posso até salvar o orgasmo, mas não tem paixão que sobreviva a isso..” – pensava, e paixão pr’á ela era fundamental.

Se pr’o Freire “sem tesão, não há solução”... para ela, sem paixão, não havia nem problema que carecesse de ser solucionado...

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Dalila Langoni
Enviado por Dalila Langoni em 08/03/2008
Reeditado em 09/03/2008
Código do texto: T892744