Ao som de Edith Piaf

De Edson Gonçalves Ferreira

Para meus irmãos Edgar (in memoriam), Wilton, Leopoldina,

Marisa e Hailton

Ao som de Piaf, eu choro. Não é de hoje que crianças são criadas nas ruas... Minha irmã Leo chorou, hoje, quando recordei de que nosso pai foi vítima também do álcool. Naquela época, ainda não era considerado doença. Ele sofreu muito e nós mais ainda. Minha mãe apaixonada foi uma heroína e nunca o deixou. Honrou os votos que fez no altar: “Na alegria, na tristeza, na saúde, na doença...” Até as crianças, hoje, bebem, meu Deus!... ” Piaf também experimentou essa loucura. Cresceu jogada aqui e acolá. Nós não. Temos uma grande família e bem unida. Nossos pais nos amavam e amam muito. Sempre tivemos um lar, com direito a doce-de-leite, a doce de figo, a muita música e o conforto da parentaia toda também.

Ouço Piaf cantando “La vie em rose”: “Quando você me prende em seus braços, e me fala bem baixinho, eu vejo a vida cor-de-rosa...” Era assim que eu me sentia quando Papai me pegava nos seus braços. Às vezes, colocava-me sentado em volta do seu pescoço e desfilava no quarteirão, feliz, sorridente, mostrando o filho. Era um artista extraordinário tanto como marceneiro quanto como músico. Ai, Edite, continua a cantar, continua?

Minha mãe fez da nossa vida “Um hino ao amor” e eu também canto o “Hino ao Amor” que Piaf gravou, versão brasileira: “Se o azul do céu escurecer, e alegria na Terra fenecer, não importa, querido(a), viverei do nosso amor...” Era assim, com certeza, que minha mãe encontrava forças para nos criar. Mesmo depois, com os problemas do papai, ela ainda o adorava. Quem sabe ela só via o Arlindo que conheceu jovem, sedutor, artista?

Estou assistindo ao filme “Piaf”. Edite Piaf e piaf, porque ela foi cantava, sem parar, como um pardal e eu, poeta, também me comparo a um pardal na poesia. Assim, ao som da música de Piaf, eu vejo a vida toda cor-de-rosa, embora seja solteiro, embora não tenha filhos, tenho irmãos adorados e sobrinhos muito amados por mim e amigos encantadores. Minha família é fantástica, vencemos muitas dificuldades, porque tivemos a alegria de um teto, de um pai e de uma mãe que nos amaram muito.

E Piaf continua cantando como meu pai sempre continuará tocando seu piston enquanto, ao seu lado, noutra dimensão, meu irmão Edgar continue pelejando para ser tão bom quanto nosso pai na Música. Aqui, na Terra, ao som de Piaf, acabo de gravar Ave Maria, de Somma, de ligar para Clio em Belo Horizonte. Meu sobrinho mais jovem achou estranho minha empolgação e tantas visitas na minha página aqui no Recanto. Ele acha esquisito que seu tio navegue na internet também. Ah, a juventude!... Será que a gente não pode passar dos “entas” e continuar atualizado?

Dou um beijo nele e continuo, ao som de Piaf, escrevendo e cantando seja nas festas, nos bailes da vida, ao telefone, na internet. Não sou rapazinho nem velho também. A canção de Piaf atravessa meu coração. Não sou tão intérprete quanto ela. Embora cante com paixão desenfreada também. Sim, a nossa loucura pela vida é a mesma, porque “Quando você me prende em seus braços e me fala bem baixinho, eu vejo a vida cor-de-rosa”.

Estou feliz, porque agora preparo meu primeiro CD, cantando e declamando poemas. Como Piaf, não lamento nada. A vida vale todos os tons, todas as notas da escala musical, sejam os agudos ou os graves. Vou morrer cantando, afinal, sou o Edson, o poeta dos Bigodes... E afinal de contas, nossas lembranças amorosas valem mais que mil sonhos não concretizados, não valem?

Divinópolis, 09.03.08

edson gonçalves ferreira
Enviado por edson gonçalves ferreira em 09/03/2008
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