Terapia do Beijo

Cláudio é apaixonado por Jacira. Ela também por Cláudio. Na verdade são dois em um. Irmãos siameses. Conheço o casal há certo tempo, aonde a vaca vai o boi vai atrás e vice – versa. Impressionante é como andam agarradinhos. Acho lindo vê-los andando de mãos dadas pelas ruas. Eles cuidam um do outro. Quando estão no restaurante trocam comidinha na boquinha, bebem no mesmo copo, adoram dançar agarradinhos. Casal perfeito. Ou quase perfeito.

Cláudio andava um pouco capenga, nos últimos tempos. E como tudo ia muito bem na sua vida social e profissional, alguma coisa tinha a ver com a vida amorosa. Mas o quê?

Jacira sempre linda, mulher ideal. Aparentemente frágil, pura, dócil, singela. Mas atrás de tanta candura, havia um furacão. Quando ela e Cláudio se enroscavam a quatro paredes, era um fogo, que cozinhava o amor invejável que eles mantinham há tanto anos.

Porém, ele adorava beijar. Beijava a mão das senhoras, a testa das amigas, a cabeça das crianças e em público de minuto a minuto era um selinho na esposa. Mas, o beijo, beijo mesmo de língua, Jacira não aceitava. Ela até que se esforçava para agradar o marido, mas repudiava o ósculo, essa era a verdade.

O casal então resolveu buscar um psicanalista. Fizeram várias sessões. E em uma delas, deitada em um divã, quase adormecida, ela revelou que todos os seus beijos foram dados ou roubados pelo seu primeiro namorado. Parecia em êxtase ao relembrar inconscientemente o roçar dos lábios, a sucção, a saliva e todo o processo do ósculo. E sussurrava meio acordada: não tenho mais beijo em estoque, não tenho mais matéria prima para fabricá-los, foram utilizados todos, todos na minha primeira experiência. Não havia lugar, não havia hora, eles eram trocados na mais pura inocência, na praça em meio aos transeuntes, na escola na presença dos professores e colegas de turma e como fui repreendida pelos meus pais quando nos pegavam num momento tão sublime. Não entendia porque que era castigada, por uma atitude tão divina, que vinha da alma, que brotava do peito, que acelerava o coração.

E já quase em estado de consciência sussurrou: Beijos não tenho mais, tenho, porém, muito, muito amor para você Cláudio, que talvez valha por todos os beijos que já não são mais meus.

Cláudio não sabia se sorria ou se chorava. Se sorria porque o mistério estava desvendado. Se chorava, com ciúmes de quem levou todos os beijos que poderia ser seu.

Entre o chorar e o sorrir ele foi surpreendido, com a atitude de Jacira, ao se levantar do divã. Ficou de pé bruscamente, nem sequer calçou os sapatos, sentou – se no colo de Cláudio, como se estivesse sedenta de amor, beijou-lhe bruscamente, movimentando os 17 músculos da língua, enquanto seu batimento cardíaco chegava a quase 150 batidas, as calorias se esvaiam dando lugar ao prazer, ao gozo, ao deleite.

Milagres da psicanálise.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 10/03/2008
Reeditado em 12/05/2020
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