ENSINAR PARA PERDER A VIDA


Em cada esquina, quando o dia vai findando, um grupo se reúne para as conversas triviais e as ações que constroem o nada. Nas portas das casas do bairro suburbano, já não sentam suas senhoras a tricotar falas amigáveis. Cada porta é um anúncio: vende-se ISSO, vende-se AQUILO, corta-se cabelo, manicure, pedicure, vende-se gelo, vende-se ovos, vende-se água, vende-se...

A professora, quase aposentada, resolveu passar em revista os anos de profissão. Por ali, quase todos foram seus alunos. As unhistas, cabeleireiras, cambistas do jogo do bicho, vendedores de coisas, os das esquinas e outros que desapareceram no mundo.

O quadro é de grande desarrumação. A mestra põe os olhos nesse nada construído para medir o quanto os anos de labuta (não) contribuíram para arrumar essas vidas que a todo segundo usam a língua do mesmo modo que usam o ar que respiram.
Frustra-se diante da ineficiência de tudo que fez com amor e lhe dói fundo saber que esse amor não foi suficiente. Lá estão as miseráveis vidas gastas pela tentativa de sobreviver mais um dia.

Revisão de vida dolorosa essa. Mas já é outro dia, abre o jornal dominical, lá estão todas as palavras, as notícias descartáveis, as poucas verdades, as muitas mentiras. Depara-se com a foto do menor, tarja preta sobre os olhos, o corpo, abaixo as iniciais a notícia do crime. Um aluno seu, cujo muro alto da escola não impediu que alçasse o vôo, não para cima, para o alto, mas para baixo, um vôo sem asas, terminado em queda fatal.

Melhor sair para um passeio sem cobiçar os olhos em paisagem nenhuma, em ninguém. Mas tudo é intranqüilidade. O domingo está nublado, os anos em sala de aula lhe cortam por dentro, despedaçando-lhe os verbos mais elegantes, o fazer, sentir, ser, dizer, amar. As portas, as placas, as esquinas estorvam-lhe a mente. Um turbilhão, um redemoinho de vento, um silêncio, um desespero e nenhum fio de esperança.

Um carneirinho estranho fala na tv que precisamos de armas em casa. O mundo anda perigoso. Não precisamos mais de professores, de professoras. Então?! chegamos tarde demais?


Chove sobre Belém,
novamente fecho meus olhos, 

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Ouça música enquanto navega.

Edmir CARVALHO BEZERRA
Enviado por Edmir CARVALHO BEZERRA em 23/12/2005
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