Borboleta.

Acendeu um cigarro, soltou junto com a fumaça toda sua melancolia, e viu através dela sua dor, que inclusive era bem óbvia, foi até a sacada, e do alto do décimo quinto andar pensou em abrir os braços e abraçar o vento, pensou na vida enquanto o mesmo vento passava por seus longos cabelos negros como a noite, bateu o cigarro três vezes no cinzeiro, e nenhuma cinza caiu talvez elas tivessem voado sem ao menos serem percebidas, ou quem sabe abraçaram o vento, mas é completamente surreal pensar assim, cinzas não sentem dor ao ponto de abraçarem o vento para fugir de algo.

Pensou em entrar, fazer as malas e partir para algum lugar distante, quem sabe o Pólo Norte onde tudo seria tão frio quanto ela mesma, quem sabe Salvador, onde existem micaretas e praias, e ela poderia se perder entre latas de cerveja, e alegrias momentâneas, mas não tinha jeito, fugir da dor faria com que ela voltasse cada vez mais forte, uma lágrima escorreu do seu rosto, e foi à primeira de muitas.

Voltou pra dentro do apartamento, tomou a primeira de cinco doses de conhaque, ligou o som baixinho, onde ao fundo Elvis cantava “Never let me go, you have made my life complete...”, a vida já não fazia mais sentido, vestiu um vestido de cetim, vermelho, era seu preferido, passou uma maquiagem, nada muito forte, algo que não chamasse tanta atenção, penteou os longos cabelos, olhou tudo em volta, as portas, o sofá, a cama, a poltrona de canto onde durante muitas noites ela tomou seu café e desabafou com a lua, sua única amiga...

Foi até a sacada novamente e lembrou de um conto de Caio Fernando de Abreu, onde se dizia a seguinte frase “Se Deus quiser um dia eu acabo voando.”, ficou nas pontas do pé, se debruçou, olhou para baixo, e durante cinco minutos deixou o vento dançar sobre seu vestido, e em uma fração de segundos abriu os braços e se jogou, na certeza absoluta que finalmente tinha chegado ali o dia mais feliz da sua vida, o dia em que ela finalmente iria abraçar a liberdade. Deus ouviu suas preces fazendo com que ela se sentisse uma borboleta que não criou asas, mas que conseguiu voar...