ESPAÑA
FUTURO DOS CELIBES
(Do Espanhol)
Corria o ano de 1860, em uma hospedaria de S. Sebastião conversavam dois viajantes, um de quarenta e seis anos e outro de mais idade.
O primeiro, que viajava só, encarecia as vantagens do celibato, que lhe proporcionava a liberdade da qual carecia o segundo, que era casado e viajava com a família.
- É certo, disse o mais velho, que vocês, os celibes, são felizes até aos cinqüenta anos; mais sabe Deus quão cara pagam sua felicidade dessa idade em diante!
Riu-se o outro, em tom de incredulidade, e falou:
- Admitindo que seja isso verdade, sempre temos, os solteiros, grande vantagem sobre os casados, e é a de liberdade de escolha de estado quando vocês se sentem mal com a cruz do matrimônio, senhores não são de se desfazerem dela; nós, porém, quando mal nos sentimos sem esta cruz, somo-lo de colocá-la ao ombro. Se, passados os cinqüenta anos, começa, como o supõe, de pesar-nos o celibato, temos um remédio, e muito simples – casamo-nos.
- Não, não se casam, se têm o mesmo pensar.
- Por que?
- Porque já se não acham em tempo de o fazer, e sim de purgar o pecado de se não terem casado quando deviam tê-lo feito. E com quem se casam vocês então?
- Com uma mulher, se não da nossa idade, de dez anos menos; porque a mulher, para ter a mesma idade que o homem, há de haver menos do que este dez anos, no mínimo.
- Nesse caso, ao em vez de ganhar, perdem; porque, se antes era um só velho que necessitava de um báculo a que se apoiar, depois são dois...
- Ou casamos com a mulher mais moça do que nós.
- Nesse caso, cem vezes pior.
- Por que?
- Porque a era fresca e louçã que por necessidade (e por outra coisa não pode ser) se apóia a um tronco, não pode deixar de por esse sentir repugnância se, sobre o encontrar velho e seco, tem ainda de abrasa-lo. O ridículo, o ciúme e sobretudo a certeza de deixar sem apoio, quando menos moral, a seres débeis e amados que o necessitam, são males infinitamente mais graves do que os naturais da velhez.
Calou-se o de menos idade, por deferência ao seu interlocutor, que era um historiador e crítico ilustre , a quem não faltavam argumentos, e continuou solteiro.
Isto, depois de dez anos, em certa hospedaria de Bilbao, onde se aborrecia cheio de achaques e lamentações, invejando o amor e alegria de outros velhos rodeados de suas amorosas famílias, nô-lo contou o solteirão acrescentando:
- Ah! Quanta razão tinha Dão Modesto de Lafuente!
Publicado na Royal Revista,
Niterói, RJ, julho de 1924,
com o pseudônimo João da Ponte.