fonte imagens: alentejanando.weblog.com.pt e www1.istockphoto.com/file_thumbview_approve/4. ( Fusão de duas imagens)


BINGOOOO! – DE UMA PEDRA,  FOI PARA A PRISÃO

Lendo uma reportagem no site do Terra, na terça feira, 11 de março, sobre a prisão de quarenta e cinco idosos detidos em bingo clandestino do Rio de Janeiro, algumas imagens, criadas pelo meu imaginário, fervilharam em minha cabeça como se fossem cenas de um filme. Se a situação era dentro ou fora da lei, para mim, naquele momento, não veio ao caso. O meu olhar para aquela cena foi  a de  um olhar chapliniano, ao mesmo tempo triste ao pensar no constrangimento desses idosos sendo declarados presos e  engraçado, se imaginado  as suas reações. 
E assim, nasceram as cenas concebidas por mim.
 A grande porta do bingo se abre. Na enorme sala, mesas ocupadas por senhores e senhoras de idade avançada. Todos muito compenetrados e atentos ao próximo número que será sorteado. Silêncio total. Ouve-se até os insetos voando em direção as  luzes  se torrando. Ao lado das mesas de algumas senhoras, uma bengala com um imã na ponta garante o resgate de pedras que vez por outra vão ao chão. Afinal, os movimentos do corpo já não obedecem mais e não atingem a velocidade necessária exigidas por algumas situações.  No microfone, um rapaz fala alguma coisa em tom de brincadeira para animar o público. Nesse momento, cinco homens atravessam a grande porta aberta, caminhando em direção ao rapaz. Assustado, ele os observa e fica mudo. Para ele, a distância da porta até onde está, nesse instante,  lhe parece ser de  quilômetros. Não quer acreditar, mas no fundo sabe muito bem quem são. Nesses segundos até a aproximação dos homens, esse rapaz respira fundo e tenta pensar numa saída se por acaso forem o que pensa, mas não consegue sair do lugar. Ao aproximar do rapaz, um deles cochicha-lhe no ouvido alguma coisa. Ele entrega-lhe o microfone. Enquanto isso, os senhores e senhoras continuam aguardando a cantada da próxima pedra sem desconfiarem de nada. Um deles chega a gritar:
-Anda logo rapaz. Tô quase chegando lá.
Na posse do microfone, o homem anuncia:
- Senhores e senhoras, sou chefe de polícia e   todos vocês estão presos. 
Os senhores e senhoras, sem entenderem nada do que está acontecendo, se entreolham e um burburinho ressoa pelo salão. Alguns nem escutam o anúncio. Um velhinho, mais exaltado, levanta-se da mesa, vai até onde se encontra o chefe da polícia, colocando-lhe o dedo no nariz e  esbraveja:
- Aqui, quem o senhor ta pensando que é?     
- Calma senhor. Sou chefe de polícia. Estou aqui cumprindo a lei. Este bingo aqui é ilegal. Está em desacordo com a lei.
-Que lei? Eu quero saber qual a lei? Lei Zico, Lei Pelé ou Lei do Zé?
- Senhor, pela ordem,   exijo respeito!
- Eu também! Seu merda! Eu não nasci ontem! Não sou nenhum irresponsável. Já fiz muito mais  do que você na vida. Já criei filhos, já trabalhei o que tinha que trabalhar
Uma senhorinha, toda arrumada, pega algumas pedrinhas de marcar a cartela do bingo e lança-as na direção do policial e seus companheiros e, do senhor esbravejador, ordenando:
- Querem parar com isso!  
Eles se esquivam das pedras e o  velhinho esbravejador, apontando em direção a todos do salão e mais nervoso ainda, continua a discussão.
- Todos aqui já fizeram mais do  que você na vida. Isto aqui é o nosso lazer e lazer é um direito. Agora, você chega, para tudo diz  que estamos presos  e quer que eu fique calado? Vai querendo!
do fundo alguém replica:
Bravo amigo! É Isso mesmo.
Um outro senhor, aparentando ter uns oitenta e cinco anos, meio curvado já quase totalmente calvo, com apenas alguns fios brancos dos lados da cabeça, portando um óculos redondo na ponta do nariz, se levanta de onde está  e em passos curtos e calmos vai até onde a discussão está fervilhando. Com sua voz presbifônica, mas firme intromete-se na confusão.
_ Vocês dois vão parar com isso. Ninguém aqui é criança e todo mundo quer saber o que está acontecendo. O assunto é muito sério para ficar discutindo. E o senhor, seu policial, pega esse microfone e explica logo pra nós o que veio fazer aqui e porque. E você colega, vai pra sua mesa, senta lá e fique quieto!. 
Nesse ínterim,  numa das mesas do fundo, um outro senhor se coloca de pé. Junta as pedrinhas de sua cartela e as arruma em cima da mesa. Olha para a senhora ao seu lado, abaixa-se e cochichando dá a ordem:
- Vamos embora! Deixa esse povo se resolver. Tá na nossa hora.
 A senhora franze as sombracelhas e o questiona:
- O moço falou que estamos presos. Eu não vou sair como fugitiva e você vai me explicar isso direitinho.
Ele fala baixinho para ela:
- Eles estão aqui, porque este Bingo é ilegal.
Ela olha para ele assustada e dispara:
- Ah! É?
E ele responde
- É! E nós vamos sair de fininho.
E ela, indignada dispara:
- Você sabia disso?
Ele:
- Sabia.
Ela:
E mesmo assim, teve coragem de me trazer aqui?
Ele:
Mas sempre venho e nunca deu nada
Ela:
Você me paga! Seu cachorro! Nossos filhos vão ficar sabendo disso. Eu nunca quis vir porque achava que não era lugar para mulheres. Agora, imagina. Eu presa por freqüentar um lugar ilegal?   
 
Ele:
- Não esquenta não mulher! Isso não vai dar em nada!
Ela:
- Não? Você que pensa. Deixa só gente chegar em casa.
O senhor não dá trela para ela e  sinaliza para que se levante. Ela também se levanta. Nervosa, pega a bolsa e a bengala dependuradas na cadeira  e resmunga algo inaudível.  O senhor já agitado e com um tom de quem já não pede, mas manda, fala firme:  
- Anda logo, mulher! Vamos embora, antes que nos levem presos de verdade. Eles estão distraídos naquela confusão. Vamos aproveitar e sair à francesa.
Ela, irritada:
- Já to innndo. Essa você vai me pagar.
E com os olhos marejados ainda diz:
- To morrendo de vergonha. Quanta humilhação.
Um dos policiais vendo os dois se levantarem,  se aproxima do casal.
- Senhores, façam o favor de se sentarem.  Ninguém pode sair daqui agora. Estamos cumprindo a lei e vocês estão detidos. Vão ter que prestar depoimento na delegacia.
A senhora quase que desmaiando indaga:
- Nós vamos ser presos e vamos para delegacia?
O policial responde:
- Vão sim. O Delegado está esperando por vocês.
Ela olha para o marido incrédula:
- Presos, na delegacia! Meu Deus! O que os nossos filhos vão dizer? E se isso sai no jornal? O que os amigos vão pensar?
Ela pega a bengala, e  batendo com força nas costas do marido diz:
- Senta aí seu cachorro. Você nos arrumou essa. Agora vai ter que dar um jeito de me tirar dessa.
E ele, desconsertado, tenta acalmá-la.
- Vai dar tudo certo.
Num outro lado do salão. Um senhorzinho, com problemas de audição, pergunta para o companheiro da mesa que confusão é aquela e se desenvolve o seguinte diálogo:
- O que está acontecendo?  
- Estamos presos
- Pegos por que?
- Fomos pegos sim.
 E quase gritando:
- Mas estamos PRESOS, você entendeu?
Calmamente, o outro responde:
- Mas porque?
- Porque  este bingo funciona fora da lei.
-  Ah é? Eu nem sabia. 
- Fique quieto, quanto menos a gente falar melhor.
- Será que vamos ter que dormir no xadrez?
- Isso eu não sei. Acho que não.
- Se for você me avise porque vou ter que ligar para casa.
- Todo mundo vai ter que ligar pra casa.
- Mas eu tomo um remédio de pressão na hora de dormir e não posso ficar sem ele.
- Fica quieto. Acho que eles não vão fazer isso com a gente não.  
- Ah se for! A gente nunca dormiu lá. Vai descobrir como é.
- Você não tem noção de nada mesmo, né?
- Tenho sim. Ah! "Porta mi lá"! Já vivi tantas coisas na vida. Mais uma, menos uma, não vai fazer diferença nessa altura da minha idade.
O policial chefe anuncia no microfone:
- Senhores, todos aqui terão que depor na delegacia. Para não tumultuar eu peço que vocês cooperem e façam uma fila.
Enquanto os policiais organizam a  fila, alguns velhinhos mais tranqüilos,  brigam a para ficarem à frente e serem dispensados logo.
Na rua, cinco viaturas aguardam por eles. Um grande tumulto de pessoas em torno da porta do bingo. Algumas pessoas acham graça. Outras, mais indignadas, comentam:
- Que absurdo! Coitados! Quanta humilhação.
O susto é enorme para todos os velhinhos que não imaginavam ir para delegacia dentro de um camburão
Na delegacia, o delegado chama para ouvir um a um, dispensando-os em seguida.
Na volta para casa, aquele velhinho com problemas de audição comenta com o amigo:
- Que pena! Bem que poderiam ter nos deixado dormir lá
O outro responde:
- Você ta é caduco! Que horror dormir num lugar daqueles.
E o velhinho replica:
- Ah! Que tem! Pelo ao menos a gente ia ter uma história diferente para contar.
E outro:
- Vamos embora. Pelo tempo que vivemos já temos muita história. Não precisamos de mais uma.
E o velhinho:
- Ah! Mas eu queria uma mais nova.