VAI FALTAR ESPAÇO

Já assisti várias reportagens na TV onde o assunto era a cidade de São Paulo e seu trânsito cada vez mais caótico. E o pior: é tudo verdadeiro; não há como fugir da realidade. A cidade de São Paulo não tem ruas e avenidas suficientes para abrigar os seis milhões de veículos registrados no município. E, assim como São Paulo, muitas outras cidades até pouco tempo atrás tranquilas, caminham para o mesmo sofrimento. Facilidades no financiamento de veículos (carros, principalmente) levam a população a optar pelo meio de transporte teoricamente mais confortável que existe, em substituição ao meio de transporte mais avacalhado que existe, que é o transporte coletivo (seja ônibus, trem e até metrô). O sujeito vai lá e compra um carro “zero”, nem que tenha que pagar em setenta e duas “suaves” prestações. Ao terminar de pagar a última (quando consegue) o carro já está tão desvalorizado que não vale nem a metade do valor que ele pagou naquelas setenta e duas suaves prestações. Isso sem contar que, quando bate, não tem seguro e nem dinheiro para o conserto. Mas ele não se incomoda, pois, em um dia já distante, foi mais um “feliz” comprador de um carro zero quilômetro com aquele cheirinho de novo (pois é...).

Só que o problema do trânsito em São Paulo não é o único que vem nos afligindo e nos deixando imensamente preocupados em relação ao futuro. Assim como já falta espaço para os carros, ônibus e caminhões, estamos caminhando para uma falta de espaço globalizada. Em qualquer lugar aonde se vá existem filas, desconforto, irritação, falta disso, falta daquilo, e tome perda de tempo cada vez maior.

Moro em Santos, uma cidade de porte médio no litoral do Estado de São Paulo. A qualidade de vida que tínhamos aqui podia ser comparada às melhores cidades do mundo, sem exageros. Sua proximidade com São Paulo (70 quilômetros) acabou fazendo de Santos e de outras cidades da região um lugar quase que impróprio para se viver. Em feriados prolongados a viagem de volta a São Paulo já chegou a demorar 10 horas, pois não há estrada e espaço suficientes para tantos carros e tanta gente. Praias poluídas, trânsito infernal, pois, assim como São Paulo, não há ruas e avenidas suficientes para abrigar tantos veículos; hospitais com falta de leitos comuns e de UTI; falta d’água em épocas de verão e temporadas de férias; escassez de alimentos primários e básicos, como pão e leite, por exemplo.

Aliado a tudo isso, várias cidades vivem no momento o já famoso “boom” imobiliário (eita expressão ridícula!). Geralmente o assunto é tratado como se fosse o que de melhor pudesse acontecer para a região. O que tem o seu fundo de verdade haja vista os empreendedores e oportunistas, que muito lucram com esses negócios e que não demonstram a menor preocupação com o meio ambiente. Lindos apartamentos com churrasqueiras nas varandas e nenhum sistema de captação de água de chuva, uso de materiais ecológicos, relógios de água individuais, aproveitamento de luz natural, etc.

Os reflexos lançados sobre as cidades serão inevitavelmente negativos. Já não se anda mais de carro sem que nos aborreçamos intensamente. Não só pela quantidade de veículos, como, também, pela quantidade de sinaleiros burros (programados pelo homem) e fora de sincronia espalhados pela cidade (aqui falo de Santos, onde é dificílimo andar de um a dois quilômetros sem ter que parar num desses sinaleiros). Onde hoje moram de duas a três famílias, morarão 20, 30 ou 40. E o espaço para os carros nas ruas? E o comércio, incapaz de atender essa demanda perturbadora? E o transporte coletivo, já ineficiente e caro? E a falta de leitos nos hospitais? Onde colocar e como atender a tanta gente? Assistimos e aplaudimos um verdadeiro crescimento desordenado. E há gente que ainda acha que isso é progresso... Ou será “pogresso”?

Não sou nenhum conservador ou visionário do apocalipse, mas do jeito que as coisas estão indo, esse mundo vai acabar num grande MAD MAX (o filme estrelado por Mel Gibson, e aqueles que o assistiram sabem ao que me refiro). A irritação das pessoas já atinge graus perturbadores; agride-se e mata-se por muito pouco, todos reclamam do trânsito, mas muito poucos são capazes de deixar o carro em casa para tentar aliviar esse caos urbano e também já suburbano.

Certamente não dá para afirmar o futuro que nos espera. As projeções indicam algo perigoso e incerto. Vejo as pessoas cada vez mais trancafiadas dentro de seus apartamentos, oriundos do “boom”, sem espaço físico e mental para viverem uma vida digna e sem poderem conhecer o que de mais belo existe no mundo: o viver com amor e dignidade.

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Arnaldo Agria Huss
Enviado por Arnaldo Agria Huss em 15/03/2008
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