Prenderam o Homem.

Quem assiste aos noticiários de televisão, ou lê jonais, com certeza, deve ter acompanhado, nos últimos tempos, a imagem de algum homem público, sendo levado preso, em camburão, para a sede da Polícia Federal. Por uma dessas ações contundentes em que a sociedade exige uma satisfação imediata, e os poderes constituídos resolvem expressar a exigência de uma conduta irrepreensível, prende-se o homem. Assistida por todo o Brasil, acompanhada por todos os rincões, a cena é recriada inúmeras vezes em câmara lenta, acompanhada por falas agressivas, por comentários desfavoráveis, cuja tônica prima pela objetividade pouco sutil dos cidadãos de mãos calejadas, que não se negam a construir o país, mas querem-no mais justo.

Está na moda essa súbita insurreição contra a corrupção neste país. Isso é bom? Claro que sim, isso é ótimo. É ótimo que prendam o homem, desde que, de alguma maneira, os atos desse homem tenham afrontado a dignidade, a moral e as leis deste país. Enfim, não é sobre essa espécie de punição que quero ponderar. Quero comentar, tão somente, o que acontece, subjetivamente, fora do foco jornalístico, quando botam algemas no homem.

Prendem o homem e o expõem à execração pública e aí acontece... alguma coisa acontece dentro desse homem que as câmeras de televisão não conseguem detectar: um homem solapado, abatido, esmagado pelo peso da opinião popular, deixa a sede de seu império ruído, abrindo caminho entre a turba raivosa como um boi tangido segue para o matadouro.

E é de matadouros mesmo que quero falar. Embora, antes, tenha que falar um pouco mais do homem. Não do homem que conhece a fama social, o sucesso político, ou o poderio econômico, seja ele amealhado pelo bem ou pelo mal. Mas do cidadão anônimo que, ao deixar a sede da sua empresa, ou os umbrais da sua casa, sob os impropérios da multidão, ninguém mais dignifica ou reconhece.

Ouso dizer uma coisa: Talvez, nem ele mesmo se conheça. Talvez, o homem que desce as escadas de seu império de vidro, ( e aqui me vem à lembrança um deles, tendo nas mãos um exemplar da Bíblia Sagrada), talvez esse homem possa representar, desse momento em diante, uma incógnita para ele mesmo, um outro “ego” desconhecido, solitário, nascido da transfiguração da glória em sórdida miséria. Com o perdão do trocadilho, emergindo da luz dos holofotes, a fama faz o seu batismo na lama. E o homem enlameado, muito provavelmente não se reconhecerá mais. Habitando o seu coração um outro ser anônimo, assustado, carente, necessitado, sem viço, sem gordura, sem seiva. Caminhando a passos rápidos, o homem despenca tangido para o matadouro da glória.

Porque no momento em que a justiça decretou o fim da impunidade- impunidade que a sociedade desconhecia mas já existia - nesse momento, morreu a glória do homem. Não mais, a cara na Revista Caras. Não mais, os convites sociais. Não mais, as homenagens nas seções solenes de alguma instituição pública. Não mais, os títulos de cidadania honorária. Não mais, a tanta coisa supérflua, fútil e vazia. O desvario é tão grande que tudo que era demais, agora passa a ser de menos. Tudo o que envolvia a esfera do homem e era público, agora se torna impublicável. Não há interesse da mídia em dar voz aos acontecimentos subjetivos. Quem haverá de ouvir o grito de uma alma? Quem irá se propor a acompanhar os elementos subjetivos que farão a recriação do seu desvalido mundo interior?

No entanto, eles estarão ali. Anonimamente, sumarizando o conflito do poder mal exercido, vai ressurgir no matadouro da glória do homem, alguma riqueza perdida, algum ensinamento circunstancial que a infância ou a adolescência proporcionou, alguma lembrança de um só momento compartilhado com Deus. Quem sabe aquele momento em que um passarinho caiu do ninho e encontrou, pela mão de um menino, a bondade de Deus. E essa bondade súbita que lhe veio, sem saber de onde, ficou profundamente impressionada em sua alma, que não soube o que fazer com tamanha doçura momentânea. Quem sabe.... ?

No matadouro da glória do homem, só o homem e Deus poderão se conhecer ou se reconhecer.

Aqui do meu anonimato de cidadã, mais do céu que deste mundo, faço votos de que isso aconteça em cada mão algemada. Eu faço votos de que a Bíblia e a algema, nas mãos daquele homem, estejam simbolizando o homem nas mãos de Deus. E se, para que esse processo possa acontecer, tenha sido necessário todo o vitupério e toda a injúria que há no mundo, - seja ela bem ou mal merecida -, ainda assim, eu diria: Valeu a pena.

Porque a glória do homem é breve como o vento, venha ele em forma de brisa ou de vendaval. Mas a glória de Deus é o conhecimento de seu Filho Jesus Cristo e essa rende dividendos para a vida eterna!