"Meu Copo Amarelo" = Crônica de apego sincero=

Eu tenho um copo de plástico que considero muito especial. É um tipo de plástico mais grosso, agradável ao tato, amarelo parecendo transparente-mas-não-é, com um tamanho de boca muito legal. Adaptei-me a ele e o uso até mesmo para as cervejinhas geladas da sexta-feira. Assim como o uso para o leite gelado do dia todo, para o café a cada muitos minutos, e tudo mais que for copável. Uso-o tanto que até já me esqueci de como é encostar um copo de vidro na boca. Pelo menos dentro de casa.

Minha mulher implica solenemente com meu pobre copo. Minha mãe faz coro com ela e diz que nunca viu objeto tão feio e anti-estético. Granfina... Meu filho caçula promete me comprar um de cristal, especial para cerveja, se eu jogar meu prezado copo fora.

Ô gente insensível...Será que é tão difícil entender um gosto pessoal? Eu não suporto ver ninguém bebendo cerveja direto das latinhas, mas nem por isso dou palpite. Tenho pena de gente que toma cerveja naqueles copos de plástico molengas, do tipo que parece querer fugir da mão da gente quando os seguramos, mas nem por isso dou palpite. E todo mundo da casa se dá o direito de implicar com o meu muito estimado copo.

De vez em quando minha mulher deixa meu copo de molho em água com cândida e ele reaparece bonito, reluzente, parecendo novo em folha, para o meu orgulho e satisfação.

Quantas vezes eu e ele enfrentamos, solitários, as madrugadas da vida...Eu lendo ou escrevendo e ele apenas esperando que eu o levasse à boca e desse mais uma golada na cerveja. Tão fiel que jamais tombou de lado. Nunca molhei a mesa com ele. Jamais foi daquele tipo traiçoeiro, daquele tipo de copo sem-vergonha que troca de lugar enquanto a gente lê ou escreve e depois dá um jeito de dar uma esbarradinha na ponta do dedo mínimo da mão da gente, causando aquela enchente em cima da mesa. Nunca. Ponho a mão no fogo por ele.

Quantas latinhas eu e ele deixamos vazias nos últimos anos...Quantas vezes eu o encarei pensando no próximo parágrafo, na colocação mais certa possível de uma vírgula, se já era ou não a hora do ponto final. Amizade duradoura e um tanto quanto antiga. Por isso tenho andando preocupado ultimamente. Acho que minha família está olhando pra ele com cara de poucos amigos e tramando algum final infeliz para o pobre e indefeso objeto. Acho que vou passar a guardá-lo debaixo do travesseiro, depois de andar o dia todo com ele pendurado à cintura. Vai me incomodar menos que o chato do celular, que detesto.

Se eu fosse um faraó, exigiria que o colocassem em minha tumba assim que eu morresse. Como não sou um faraó, aceitarei que o coloquem em meu caixão quando chegar a minha hora. E a dele...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 18/03/2008
Reeditado em 18/03/2008
Código do texto: T907113
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