Sexta-feira Santa

Toco um Beethoven de propósito,

Pra me fazer chorar!

Já não posso mais fugir de mim mesma

Há uma dor que já não posso enganar.

Tentando esquecer o mal quem fizeram

Por nada me fazerem,

Interpretei papel inútil e ridículo

Que rir-se-ão com certeza

Se me surpreenderem.

Dia quieto e todos saem

Deixando-me a minha própria companhia,

Por certo gostam de crer que eu me basto

Nenhuma palavra, nenhum comunicado,

Simples partida!

Depois de me negarem convivência, conversa, amizade

Vem tal oferta da comida, sustento bobo da carne.

Pra que me hão de dar comida se já antes negaram o alimento da alma?

Que direito têm de pedir compreensão e calma?

Haviam antes me privado do gozo da harmonia,

Esta que só se atinge combinando notas, nunca ao executá-las sozinha.

Há pessoas que nunca entendem o que elas representam,

Crêem ser útil só o que elas desempenham

Não conhecem que alguém pode carecê-las

Que pode alguém querê-las, pelo que são

E não pelo que de oferecer hão.

Há pessoas a quem muito damos valor

Gente que mal supõe provocar essa dor

Dor que me consome por não ter sido lembrada nas outras horas

Por só ter sido convocada no ensejo da obrigação social

Mas quem há de me reparar este mal?

Fico aqui com meu Beethoven

Que também sozinho já tocou,

Que também sozinho já chorou,

Que como eu, sentiu-se algum dia, perdido,

Esquecido, alheio ao que o mundo todo tramou.

Larissa Moreno Vaz dos Reis
Enviado por Larissa Moreno Vaz dos Reis em 21/03/2008
Reeditado em 01/04/2008
Código do texto: T910543