AS COISAS QUE ME ENSINARAM

(Tempos de catecismo, chupando balas de açúcar.)

Às vezes, a gente está louco para deixar de escrever. Bem, nestes momentos, como se fosse um capeta gozador, aparece alguém que nos elogia. Azar do universo todo. A gente volta a escrever.

Ainda menino, sempre possuí um “desconfiômetro” que vivia ligado. Não me arriscava a perguntar; afinal, era menino, mas não era burro.

Uma de minhas primeiras encrencas foi com a sombra. Não gostava da companhia dela, preferia estar só. E ela sempre xeretando tudo. Onipresente. Vezes até, se dava o luxo, de ir à minha frente. Quantas vezes não dobrei para um lado que não queria ir, a fim de desorientá-la... Nunca conseguia. Lá estava ela, andando ou parada, pregada no muro, correndo mais do que eu, muitas vezes. Acontecia de não a ver, quando me escondia em algum vão, debaixo de uma árvore. Mas era “marotice” dela. Era ágil e voadora, tão logo eu saía por aí. Até de noite, noites de lua, ela me acompanhava.

Depois, na seqüência de minha vida, entrei para as aulas de catecismo. Rapidinho concluí que Deus era uma sombra. Igualzinho. Via tudo. Estava em todo o canto. Ainda recordo que pulava num pé só, cabeça inclinada para um lado, socando com mão aberta o lado da orelha, como se faz, quando se quer que a água que entrou no ouvido, saia. Nunca Deus saiu de dentro, sequer balançou lá dentro. Mas o Padre havia dito que Ele estava lá, então, estava.

O ruim de tudo, é que eu não podia mais estar só. E eu gostava de pensar minhas coisas, armar planos, até planejar “roubar” alguma moedinha de uma tia meio cega, e dona de uma venda. Tia Joaninha. Mas como podia? Com Ele fiscalizando? Depois piorou.

Sem pedir, o padre me deu um Anjo da Guarda. Juro que não pedi. Ele nunca me dera nada... Esse não comia, não dormia, não tomava banho, não mudava de roupa, não fazia nada. Era ali no meu pé. Devia haver muito anjo à toa, correndo atrás de menino, vendo a gente tomar banho; vendo outras coisas também. Um dia, um amigo meu morreu afogado. Fui olhar o caixão. Minha preocupação era com o anjo da guarda dele. Teria ficado desempregado? Seria para outro menino que nasceria depois, ou alguém ganharia um segundo?

Na dúvida, me mandei.

Por que adulto nunca acha que assuntos de meninos são importantes? E, afinal, gente grande também tem anjo da guarda? Tem mesmo? Xiiii !

Mas, confusão na minha cabeça, foi quando me falaram dos demônios. Havia diabo de tudo que era jeito. Até parece que o padre falava mais deles, do que dos anjos. A gente achava que era uma dúzia de diabos para cada um. Sinceramente, não sei. Também não sei, porque ao falar de diabo, o padre grelava os olhos em mim. Gozado! Ele não dava nem uma olhadinha, quando o assunto era anjo. Eu pensava que os diabos eram um bando de gente à toa, como os velhos que jogavam damas e firo nos banheiros do Gonçalinho, dispondo de muito tempo para infernizar a vida dos outros. Complicado, não? Mas, rabo e chifre?

Aí, a crença no padre, sumiu.

Não sei se fui um menino difícil. Acho que, somente, comecei a pensar cedo demais. Talvez por isto, toda a cidade ajudou, quando fui para o seminário. Como não acredito em coincidência...

Ainda hoje, penso. Virou mania. E com mais um agravante. Apesar de continuar a não ter a quem perguntar, arranjei coragem de escrever.

Vai ver que há demônio bobo, atazanando a vida de gente grande também.

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