Um dia de gases

Era uma quinta-feira do mês de agosto daquele ano. O sol estava forte e o céu azul, totalmente sem nuvens, anunciando a secura daquela tarde. Meu professor de Química, cujo nome eu esqueci, resolveu antecipar a maldita prova de laboratório, de terça-feira da ultima semana da do mês para a quinta-feira da penúltima.

- “...assim, vocês se livram logo da primeira prova e ficam com tempo para estudar outras disciplinas” disse o professor.

Cheguei em casa das aulas da manhã, comi bastante, já que era carne de porco (minha comida predileta), e voltei para escola para fazer a prova. Fui mal, só para variar. A prova era feita em grupos de 3 alunos, cada grupo por bancada já que o material não era suficiente para todos. Mas isso não tornava nada mais fácil. Aliás, atrapalhava bastante já que os meus amigos eram os Rafaéis: Ferreira (conhecido como Pulga) e Borges. Duas topeiras desastradas. Borges quebrou o erlenmeyer e o Pulga fez o favor de despejar ácido fluorídrico em nossa prova. Contudo, aquela nota de 7,4 foi suficiente para arrancar gritos de viva. Mas quando saí da escola, meus problemas começaram de verdade.

Desde a correção da nossa prova, eu não me sentia bem; meu estômago doía muito e não tomei nenhum remédio para aliviar a dor. Nunca gostei de remédios, mas naquele dia, acho que faria toda a diferença. Pulga e Borges foram jogar fliperama na rua de baixo da escola e eu para a parada de ônibus. Não sei porque, em contato com o sol, minha barriga doía mais; então resolvi ir para trás da parada afim de conseguir uma sombra, pois o sol incidia bem aonde as pessoas ficavam. Mas o que não podia piorar piorou: o cheiro fétido de urina fez meu estomago dar piruetas e então voltei ao sol. Pensei que o calor que incidia na minha barriga, fazendo doer mais ainda, era fruto da minha imaginação; mas não era.

Quarenta minutos de angústia e finalmente apareceu o meu ônibus totalmente vazio. Sorri. Dei sinal para o ônibus parar mas o motorista passou direto e me dei conta de uma coisa: tinha visto no jornal do meio dia que o sistema de transporte público estava em greve.

-Estou perdido, pensei.

Então resolvi fazer a coisa mais idiota, porém a mais sensata: ir ao banheiro da escola e resolver tudo. Mas eu não faço minhas necessidades fora de casa, a não ser urinar. Hesitei. Então resolvi fazer algo mais idiota ainda: voltar para casa a pé. Cinco quilômetros separavam minha escola da casa da minha mãe, onde eu morava. Seria uma caminhada longa e eu poderia ficar pelo caminho. Mas resolvi encarar o desafio; estufei o peito e segui em frente.

Contudo minha sorte estava para mudar de novo. Eis que uma van pirata aparece, justo quando eu estava pensando em encontrar uma árvore em algum lugar escondido e me entregar às necessidades do corpo. Dei sinal desesperadamente. O motorista parou e eu perguntei:

- Vai pra norte?

- Vai sim! Entra! – respondeu o motorista bigodudo.

Sentei-me na ultima poltrona e usei toda a força física e mental que eu tinha para segurar minha barriga, que não parava de doer. E tudo parecia que não ia dar certo: a van sacudia para todos os lados por causa da péssima qualidade do asfalto e isso fazia o feijão tropeiro e a carne de porco chacoalharem dentro de mim.

Quando tudo parecia péssimo, a situação piorou: eu senti algo descendo dentro de mim. Aquela mistura engraçada de comida queria sair, mas não pelo modo que entrou. Senti uma bolha de ar atravessar meus órgãos internos e parar na região do meu glúteo.

- É agora!

- Você vai descer na próxima, companheiro? – perguntou o cobrador.

- Não, não! Tava falando sozinho – respondi.

Estava dizendo para o meu eu que aquela era a hora de tudo explodir.

Todavia, vi que não se tratava exatamente de uma necessidade fisiológica; mas sim de gases. Precisava expulsá-los de mim de qualquer forma. Mas teria que fazê-lo de modo que nem o cobrador nem o motorista sentissem nenhum cheiro ou ouvissem barulhos.

Abri a janela toda, para caso o cheiro pairasse, o vento o levasse para a estratosfera. No entanto, não achei, imediatamente, uma maneira de não fazer barulho. Pensei em fingir falar ao telefone, para que eles não ouvissem nada. Desisti. Percebi, porém, que o banco da van era de couro. Fato desesperador esse, já que o couro, não sei porque, amplifica o volume do pum, quando este é solto diretamente sobre o banco; eu tinha que fazer uma “válvula de escape”. Assim, se eu levantasse a alguma das minhas nádegas e, vagarosamente, soltasse meus gases, ninguém ia perceber nem sentir nem ouvir nada. E assim comecei o processo todo.

Abri a janela do outro lado para que o ar fluísse quando o cheiro ruim pairasse no ar. Levantei a nádega esquerda e, muito lentamente, comecei a soltar um longo e demorado pum. Mas eis que surge um personagem: outra passageira. Uma mulher de cara amarrada, cabelos presos num coque, óculos pretos e unhas cor de rosa bem claro. Parei de fazer o que estava fazendo imediatamente e, apavorado, pensei:

- Só pode ser brincadeira!

Mas havia uma notícia boa: estava chegando em casa; faltava apenas um ponto de ônibus. Minha barriga doía muito mais e eu tinha que soltar o maldito pum. Assim, disfarçadamente, levantei a outra nádega, a direita, e comecei tudo outra vez. O gás fétido saia fazendo um pouco de barulho e na hora gritei:

- Desço na próxima!

De repente, a mulher olhou para mim com cara de desgosto, virou-se para o cobrador e disse:

- Mas que cheiro de esgoto! Vocês estão sentindo?

O cobrador fungou e fez sinal de negativo e o motorista, falando ao celular, não respondeu nada. Então, levantei-me sentindo um pouco mais aliviado e quando rumava a porta para sair, a bolha de ar que estava na minha região pélvica saiu de uma vez, mas sem fazer barulho. A van parou e a mulher gritou:

- Que fedor! Ei, menino, você soltou um pum?

Sem coragem de responder, paguei a passagem, pulei fora da van quando ouvi uma voz de dentro do veículo:

- Seu porco! Sua mãe não lhe deu educação? Como você pode soltar um pum bem ao meu lado?

Segui sério, como se não fosse comigo e me sentindo aliviado, porque enquanto a mulher esperneava com a cabeça para fora da van, continuava ali algo que comecei lá na escola.

PS: Esse fato é verídico e o texto foi usado num trabalho acadêmico que me rendera nota 8.

sky
Enviado por sky em 28/03/2008
Código do texto: T920988