O ZÉ É UM CARA CHATO!

A semana passada estive conversando com um grande amigo, o Zé. A gente tem amizade de longa data. Já passamos bons e maus bocados juntos. Viajamos algumas vezes, com as famílias para lugares vários, em férias. Nos damos muito bem. Mas o Zé é um cara chato!

Ele gosta das coisas muito certinhas, tudo bem arrumadinho, detalhista demais. E fala mais que o homem da cobra! Do jeito que ele fala, está mais para o homem do papagaio! Mas, apesar de falar demais, a gente nunca ouve besteiras de sua boca. Sempre preocupado com as pessoas, com os seus direitos individuais e coletivos. Não perde uma chance de falar mal do sistema. Para ele está tudo errado e ninguém respeita mais os direitos dos cidadãos. Acabou a cidadania, segundo ele.

Nessa conversa, happy hour na bodega do Alemão, outro amigo, ele estava triste por uma conversa que havia tido com seu patrão. Trabalha há sete anos numa grande empresa e, com competência e dedicação, se tornou num dos gerentes mais importantes da firma. Todos o chamam de puxa saco, essas coisas que os menos competentes dizem para chatear quem avança por méritos. Pois, não é que o patrão veio lhe falar justo dessas coisas?

Imagine que o seu patrão veio até sua sala para convidá-lo a jantar num restaurante da cidade, para poderem conversar melhor sobre alguns assuntos que o estavam chateando, segundo suas colocações iniciais. O Zé, coitado, ficou todo atrapalhado, nervoso, numa expectativa tremenda sobre o que estava acontecendo. Já estava se imaginando dispensado e desempregado, nessa altura do campeonato. Pensava em alguma coisa que poderia ter feito, que não fosse o melhor para a empresa e nada! Era o cara! Exemplar! Seguro em tudo o que fazia e em suas colocações. Cara com inteligência e competência a qualquer prova! Mas, o convite estava feito e prontamente aceito.

Normalmente, o Zé é uma pessoa muito segura, sem timidez no que se refere a trabalho. Boa cultura e conhecimento geral invejável. Desta vez, segundo ele, estava preocupado e acanhado. Não sabia o que esperava e se sentia inseguro, diante da situação inusitada. Na hora combinada, estava o Zé no restaurante com o patrão!

Enquanto ele me contava o acontecido, eu nem via tanta gravidade, que justificasse um baque tão grande no Zé. Mas aconteceu isso mesmo. O patrão estava preocupado e até quis o encontro reservado.

Zé, disse o patrão: - Eu gosto muito de você. Não tenho nenhum gerente com sua capacidade e com sua dedicação – o Zé era um dos nove gerentes da empresa. – Tem uma coisa que está me incomodando, muito, e eu nem sei como te dizer - lascou o homem nervosamente e desembuchou de vez. – cada gerente tem vários auxiliares e me custam mais caros que o seu setor, pois você tem uma facilidade incrível de gerenciar e minimizar custos. O seu setor é o mais lucrativo da minha empresa, mas eu preciso dizer que há muita reclamação a seu respeito, por parte dos seus companheiros, pois te acham muito chato! Isso para não dizer prepotente!

O Zé me disse que quase caiu da cadeira. Era a primeira vez que ouvia uma critica tão séria, tão dura e tão boba. Recobrou sua segurança e teve a petulância de indagar sobre essas reclamações, ao patrão. O dito cujo disse que o motivo alegado pelos colegas, e ele também pensava quase a mesma coisa senão não teria se preocupado, era que o Zé gosta das coisas muito certinhas. Era zeloso demais com tudo. Com o Zé não tinha propina, não tinha jeitinho. E não facilitava para que ninguém cometesse abusos. Não precisava esperar dele a prática de certas facilidades, mesmo que fosse em proveito seu também. Ai daquele que ousasse propor algum serviço porco para o Zé!

O patrão terminou por dizer que o Zé era bom, mas que precisava melhorar nesse aspecto. Desde que não desse prejuízo para a empresa, podia ser mais maleável e mais condescendente com todos. Podia fazer vista grossa a muitas coisas e não parecer o sabe tudo. Aliás, isso é que indignava o povo!

A indignação maior foi a do Zé! E eu tenho que dar razão a ele. Ele me dizia: - já pensou eu ter sido advertido por querer fazer as coisas certas e com zelo? Tá tudo errado! Se eu fosse desonesto, então, estaria tudo bem? Vê se pode, a turma toda me chamando de chato porque eu faço as coisas direito e com inteligência lucrativa? Valeria mais um ladrão amigo que eu, um funcionário honesto e competente? Então eu era o Caxias da empresa? É ruim? Assim desabafou o Zé.

Depois de ouvi-lo, eu é que fiquei sem prosa. Eu também, muitas vezes, tinha confabulado comigo mesmo que o Zé era legal, mas chato, pois gostava de tudo muito certo.

Será que não merece uma reflexão maior? Pensando agora como o Zé: se todos aceitam o erro como acerto, alguma coisa vai melhorar? Com certeza não! O Zé é um cara chato por estar lutando pelo direito de ser honesto, justo, leal! Nunca tive um amigo tão leal como ele! Está tudo errado, como dizia o Zé. Desde quando alguém pode ser rotulado de prepotente, por saber mais que a maioria? A que preço ele conseguiu esse conhecimento e essa convicção de saber?

A tristeza do meu amigo aumentava porque chegara à conclusão de que estava caminhando na contra mão dos demais. E insistia em que não mudaria em nada seu modo de ser, de defender os mais fracos, o certo, a justiça e a cidadania. Essa é a palavra preferida do Zé!

Tomara que ele não desista, senão eu não terei com quem contar para escrever boas histórias aqui nesse recanto de belas letras.

O Zé é uma boa fonte de inspiração!