A vida só é possível reinventada...

Tivera um sonho ruim naquela noite. E nesse sonho, seu filho se perdia de seus braços. Ou ela o perdia para outros braços... O fato é que se via numa confusão, casa cheia de gente, pessoas que não mais faziam parte do seu dia-a-dia... Tudo muito confuso...

E ele (seu filho) lá, pequenino, por volta dos cinco anos de idade, morto, em seus braços... E ela não conseguia chorar... Apenas o deitara na cama, e ficara olhando seu semblante, sereno, lindo, como de um bebê...

Depois vieram pessoas, não se lembrava quem eram... E tudo ficou difuso... E ela começou a questionar sua vida, uma vontade de chorar, mas não saía nada... Sentia-se pior por não conseguir chorar a perda do filho... Na verdade, não queria acreditar que ela o havia perdido...

De repente, alguém veio em seu quarto e começou a lhe falar coisas, dar conselhos... não sabia direito... Olhou para a cama, seu filho não estava mais... entrou em desespero, só de pensar em seu bebê, sozinho, em algum lugar que não era onde ela estava... saiu correndo, procurando por ele, num gramado enorme, que não acabava nunca... e, cansada de tanto correr, jogou-se no chão... Ali ficou... uma explosão de dor tomou conta de si... e ela chorou, gritou, quase se matou de tanta dor... e então acordou... aos soluços... suada... cansada de tanto chorar...

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Na hora do almoço, seu filho chegou, ela nem se lembrava mais do sonho... afinal sua manhã tinha sido tão corrida, trabalhos, preocupações... Almoçaram juntos, e nada de ela se lembrar do sonho... Foi à cozinha e pôs-se a arrumar a bagunça da louça. De repente, ele (o filho) disse: tchau, mãe! E bateu a porta.

Claro que ela sabia que o garoto iria ao colégio, em frente à sua casa. E voltaria em algumas horas. Mas, na hora, algo bateu em seu interior, quase um soco no seu estômago.

Aquele “tchau, mãe!” doeu-lhe demais. E ela se lembrou do sonho. Largou o prato, de súbito, e gritou pelo filho!!

E ele veio correndo.

- Que foi, mãe??

E ela:

- Nada, meu bem. Só quero lhe dar um abraço, e dizer que te amo.

E assim, ficou ali, beijando e cheirando sua cria, como uma leoa que acabara de ter o seu filhote e quisesse proteger-lhe de todos os males...

Ficaram os dois, por uns trinta ou quarenta segundos, abraçados...

Ao final, ela deu-lhe um beijo, disse novamente que o amava... ao que ele respondeu:

- Eu também, mãe.

E foi para a aula...

Horas depois... ele ( o filho) na sala, estudando, e ela, no quarto, trabalhando... com uma vontade enorme de largar tudo (textos, provas, aulas...) e viver para sempre olhando para a cara “de bebê” que seu filho não tinha mais...

Pena... não podia fazer isso...

Pena... existiam muitas coisas que não podia fazer...

E por que não podia?

Porque a vida...

a vida...

aquela que precisava de comida, de casa, de roupa, de luz, água, escola... essa vida...

atrapalhava a outra...

a que não precisa de nada,

talvez apenas de um beijo ou

de um eu te amo...

Essa que ela queria... Essa que ela deveria viver...

mas sabia que seria impossível...

porque, como diria Cecília...

“a vida, a vida (mesmo!) só seria possível

reinventada”...

Então suspirou...Pensou no filho...

E voltou ao trabalho.

(Adriana Luz – 28 de março de 2008)

Adriana Luz
Enviado por Adriana Luz em 29/03/2008
Reeditado em 23/04/2008
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