AI DE MIM!

Sinto-me sozinha, não sei por que. Às vezes esta solidão me apavora, mas na maior parte do tempo nem penso nela, porque meu problema é bem mais sério que essa solidão. Vou lhes contar a minha odisséia:

Era uma vez...

...Nada disso, vou direto ao assunto: sabem, ninguém mais do que eu é tão perseguida, espezinhada, maltratada, rejeitada. Por essa razão estou tão só na vida...

O motivo? Completamente, ainda não consegui saber. Sei que têm nojo de mim. Vivo pelos cantos me escondendo. Para comer tenho que surrupiar qualquer migalha, se não morro de fome! Escondem tudo de mim. Usam de inúmeros artifícios para que eu não chegue perto de coisa alguma. Tenho que comer o que aparece: restos, restos, restos...

Vivo de antena ligada para me defender de tudo e de todos. Esgueiro-me por todos os caminhos, dificilmente caminhados por outro ser. Não posso andar livremente por toda parte. O preconceito pesa a cada instante. Muito poucos conseguem passar por onde passo, consigo transitar por lugares inusitados, porque vivo magérrima de fome.

Quando apareço é aquele rebuliço! Chegam a gritar comigo! Pobre de mim! Estão pensando que sou horrenda? Nada disso. Sou até bonita com esta roupa que uso, marrom, lustrosa como um verniz polido! Mas só eu acho isso, ninguém mais!

Sou inteligente, astuta, esperta, ágil. Ninguém sabe como eu consigo sobreviver a tantas intempéries, a tantas perseguições, ameaças de morte, pancadas, surras. Sou obrigada a aspirar cheiros fétidos, infectos, asfixiantes, intoxicantes! Finjo-me de morta, fico quieta sem me mexer e só me movo quando se afastam com as armas todas que inventam para me agredirem. Violentos que são! Pra que isso se, na verdade, sou até inofensiva? Nunca xinguei ninguém, nem agredi, nem ofendi. É pura covardia. Gente mesquinha!

Ninguém tem pena de mim. Ninguém tem consideração por este sofrimento atroz! Admiram as aves no Céu, os bichos da Terra, os seres do Mar e ainda não encontrei uma pessoa sequer que me apreciasse e visse em mim alguma utilidade ou alguma beleza! Se me deixam viver em lugares especiais, é só para testarem alguma coisa nova a fim de me fazerem mal, assim eu acho.

Vocês não vão acreditar, mas sou tão antiga! Têm registros de meus ancestrais até na época dos faraós! Já consegui resistir a tanta coisa! Já vivi escondida em esgotos, fossas, poços profundos, corredores escusos, na escuridão de lugares condenados, em masmorras. Já sobrevivi até à explosão atômica!!! Encontraram-me viva, embaixo dos escombros!

Se meu nome fosse CARA, garanto que seria aceita, amada, acolhida, procurada, admirada. Mas, não. Infelizmente meu nome é BARATA!

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 29/03/2008
Código do texto: T922156