QUE CONFUSÃO!

Consultório Odontológico. Na recepção, a recepcionista e eu.

Entra uma senhora, Dona Janete, paciente de um dos profissionais, agitada, esbaforida, pedindo para usar o telefone. Na hora ela percebeu que nós duas olhamos para o celular preso à bolsinha que carregava. À guisa de explicação, ela disse:

-- Não sei mexer com este celular. Não entendendo nada dele! É todo diferente do meu!

Continuamos sem entender e era tamanha a sua agitação que ficamos em suspense sem saber o que acontecia com ela. Coisa ruim não era, pois ria o tempo todo! Ficamos mais confusas ainda e, sem conseguir parar de rir para telefonar como queria, com muita dificuldade entre uma risada e outra, nos contou o que estava lhe acontecendo.

Disse que há pouco tinha saído do salão de beleza onde fora fazer as unhas, como fazia toda sexta-feira, ela e uma amiga sua chamada Lena.

Como tinha hora marcada no dentista e por essa razão fora atendida primeiro, combinara encontrar com a amiga no centro da cidade, após a consulta.

Despediu-se, pegou a bolsa que tinha posto no mancebo e saiu. Na rua tomou um táxi a fim de não chegar atrasada e dirigiu-se ao consultório. Quando o táxi parou em frente, abriu a bolsa de onde tiraria o dinheiro e só então viu que pegara a bolsa da amiga Lena, que era perfeitamente igual à sua. Afinal, muito amigas, afinavam-se em muitas coisas, inclusive no modo de vestir e escolher acessórios.

Seu constrangimento não teve tamanho. Confiando na liberdade entre amigas, procurou em todas as divisórias da bolsa dela algum dinheiro para o táxi. Depois de buscar em todos os lugares, abrir carteirinhas, vasculhar papéis, dirigiu-se ao paciente motorista e disse muito encabulada e envergonhada:

-- Motorista, desculpe, mas minha amiga não tem dinheiro!

-- Minha senhora, não entendi, a senhora não tem dinheiro?

-- Não, quem não tem dinheiro é minha amiga, na minha bolsa eu tenho.

-- Então por que não me paga?

-- Ah, não lhe expliquei, esta bolsa é da minha amiga, peguei por engano lá no salão de beleza onde eu estava e não tem nenhum dinheiro aqui dentro. Agora não sei o que faço. Não posso voltar lá porque não dá tempo. Tenho hora marcada no dentista e não posso faltar. O senhor pode ver, olha aqui o RG dela...

-- Mas esse RG não é da senhora mesma? Um pouco mais nova, claro!

-- Não, moço, parece brincadeira, mas até fisicamente nós duas somos muito parecidas. É sério, é verdade! Por favor, acredita em mim! Ai, não sei o que faço!

Nessa altura, poderia Dona Janete simplesmente pedir ao motorista que esperasse, entrar no consultório e pedir ao dentista ou à recepcionista o dinheiro. Acho que o aperto era tão grande, que não teve essa idéia.

Pacientemente, o motorista escreveu num pedaço de papel o número de seu celular e sugeriu a ela que, quando saísse da consulta, telefonasse para ele, que a levaria de volta ao salão em busca da bolsa e, conseqüentemente, de seu dinheiro. Dona Janete pegou o papelzinho, agradeceu ao motorista, muito envergonhada e entrou no consultório.

A essa altura, sua voz alterada e suas gargalhadas juntando-se às nossas, tinha chamado a atenção do dentista que muito pressuroso, perguntou-lhe pelo número do telefone desejado e foi fazendo a ligação, não sem também acompanhar suas palavras com grandes risadas!

Atenderam e ela falou:

-- Alô, por favor, a Lena ainda está por aí? Está? Posso falar com ela? Oi Lena, você não percebeu nada? Eu peguei a sua bolsa no lugar da minha e olha, não tem nenhum dinheiro dentro dela! Tomei um táxi aí na porta para vir para cá e procurei, procurei e não encontrei nada. Como é que você faz uma coisa dessas comigo? Andar tão dura?! Não pude nem pagar o táxi! Você me fez passar a maior vergonha, sua caloteira!

Diante de tanta incoerência, nós não parávamos de rir. Além de cometer o engano, ainda responsabilizava a amiga por seu aperto e ainda por cima a criticava. Lógico que tudo na base da gozação. Dialogando com a amiga, ia reportando a nós, os espectadores, as respostas da amiga:

-- Ela está dizendo - bem feito, que eu quis dar uma de dondoca tomando um táxi para uma distância tão pequena – Que se fosse ela, teria vindo a pé. Também, dura desse jeito. Dura e pão dura!

Enquanto falava e ria, continuava a abrir e fechar as diversas divisórias da bolsa, mexendo em tudo, tirando e pondo no lugar de novo e continuava:

-- Olha, ela está dizendo que tem quinze reais num cantinho. Tem nada. Aqui dentro só encontrei carnê. E não vou pagar não, viu? Tem também uns remédios – e eu não tomo esses remédios e nem você deveria tomar – tem um monte de papel – você junta tanta coisa – e no moedeiro só tem umas miseráveis moedinhas que não dão para nada! Que pobreza! E olha, até a foto do seu RG parece comigo! Tem dó, não tinha outra para pôr, não? Quando eu acabar aqui vou chamar o mesmo táxi e passo no salão para pegar minha bolsa. Deixe aí, não mexe não, porque tenho que pagar as duas corridas e quando a gente se encontrar, devolvo a sua bolsa, viu? O que? No bolsinho de fora?

Abriu de novo a bolsa, pegou o moedeiro e remexeu no zíper de fora. Afinal, encontrou os quinze reais que a amiga disse que tinha

-- Olha, achei! Agora não adianta mais. Tchau, fica me esperando aí, não sai não.

Conseguiu tomar um pouco de água que lhe demos e aos poucos foi se acalmando.

Ainda ríamos muito quando o dentista a chamou para o tratamento.

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 29/03/2008
Código do texto: T922164