A máxima confissão

Mostraram-me centenas de erros, padre

E fizeram-me ver com os olhos do horror

E aceitar assim cada forma, como se isso vivesse

Eu não pude se quer questionar a razão

Pois simplesmente isso não se impunha ali

Era algo denso demais, e incrivelmente humano

Então pergunto-te, padre, pequei por isso?

Deveria eu ser maior que aqueles a quem me foi negado a liberdade?

Não simplesmente negado a liberdade, já que ela é negada

A milhões de pessoas, todos os dias

Antes fosse algo tão simples como isso, como negar a liberdade de correr pelos campos, e ser criança dezenas de vezes

Negarem-me a liberdade de impor meus pensamentos - ou se quer mentir em pensamentos

Não há nada pior que isso

Porque eu sou a fome, eu sou todos desejos dilacerados

Eu sou aqueles que quiseram ser e foram impedidos

A resignação é meu nome, e não porque os resignados desejassem ser assim,

Mas que são obrigados a assim o ser

Haverei pecado, dessa forma, por omitir minha consciência a mim mesmo?

Ou fui fraco o bastante pra sobrepor meus pensamentos e não conseguir nem perceber?

Acho que nada disso definitivamente importa, não hoje, nem amanhã, quem dirá no passado

O que eu deixei de construir, padre, não foram linhas que pudessem ser repassadas em um futuro ameno

Nem fui pequeno ausente o suficiente pra descumprir algo que outrem deveria cumprir

Eu faltei a mim mesmo, e é dessa forma que a tristeza se engrandece

Poderia eu arcar com tudo que deixei de fazer ou cumprir?

Serei pequeno aos olhos de Deus por desrespeita-lo, em nome Dele?

Aquilo, padre, não era religião; era ódio

A religião não pode magoar assim, nem esfacelar as memórias dos seres humanos como se essas não importassem

Porque elas importam, porque elas reconstroem o que um dia viveu, e fazem da vida bela, e não simplesmente um "estar" por "estar"

Nada do que é divino pode fazer sofrer assim, e hoje eu bem sei disso

Mas acredito que as árvores, os pássaros e os entes inertes que tanto ouviram minhas preces

Acredito que as águas, o lugarejo, e aquela terra árida que tentas vezes eu cuspi

Que cuspi porque fui jogado ao chão, pois nunca me colocaria a essa desavença de rejeitar quem me criou

Eu acredito que tudo isso um dia me fará viver,

Me fará viver não no que eu fui externamente, mas internamente

Essa dúvida, pelo menos agora, pelos menos nesse exato momento, não existe mais:

Não corrompi meu pensamento.

Sei que tudo que me viu e não pensa - pois pensar foi na minha experiência uma falha -

Sei que tudo isso irá fazer valer o que eu não pude

Tudo isso irá desengatar em vida

E quem ainda puder ouvir meu coração, aqueles que lá deixei e que aos poucos apagaram-se da minha história,

Sei que esses serão melhores do que são agora,

E poderão cumprir por mim o que por mim nunca foi dito

Eles irão, no sentido mais amplo da palavra, viver

Como eu nunca pude nesse lugar, como eu sempre pude em minha consciência.

Diego Guimarães Camargo
Enviado por Diego Guimarães Camargo em 30/03/2008
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