O Cascudo

A mesa estava posta, uma salada completa, arroz puxadinho no alho, feijão preto com pedaços de bacon, bifes suculentos de alcatra com muita cebola, polenta frita recheada com queijo, suco de laranja e água.

Para aquela refeição estavam reunidos, o avô, seu Antonio, Chicão seu filho, sua nora e o netinho de 9 anos.

Uma fumaçinha cheirosa da comida pairava sobre aquela mesa enorme, feita de um jacarandá centenário da própria fazenda.

Seu Antonio na cabeceira, Chico na outra, e a nora e o neto do lado direito do avô.

Uma pequena reza de agradecimento, e começam a se servir.

Seu Antonio, apesar dos seus oitenta e poucos anos, exibia uma saúde muito boa, embora tivesse dado duro por toda a vida; agora desfrutava de uma boa fortuna, e a vida não fora tão farta assim quando menino.

Seu neto, já veio ao mundo quando a família, fruto do trabalho do avô, podia se dar ao luxo de morar e viver bem.

Tinham fazendas, carros e avião e muito, mas muito gado.

Os adultos já comiam enquanto a mãe brigava com o filho mimado, que não gostava de nada.

-Salada filhinho?

-Não, você sabe que eu não gosto.

-Um bife com arroz então...

-Não, eu não quero essa porcaria de bife.

-Mas meu filho, você precisa comer...

-Eu quero um lanche de hambúrguer...do MacDonald.

Eles estavam na fazenda de Amanbai, no Mato Grosso do Sul, lanchonete só a uns 100 km.

Nesse ponto, Seu Antonio vendo a luta da mãe contra a má vontade do filho, interferiu:

- Meu neto, vou te contar uma historia de quando eu era menino da sua idade.

Nós morávamos em Passo Fundo, estava começando o século vinte, meu pai era tropeiro...tinha um punhado de mulas que faziam o trabalho dos caminhões no transporte de mercadoria.

Quase não haviam estradas, então meu pai e mais uns peões varavam aquele Rio Grande de cima a baixo transportando de tudo em cangalhas no lombo das mulas.

Eu tinha a sua idade, mas já ajudava o meu pai, eu era o cozinheiro da turma.

Ia à frente do grupo em uma carroça, onde guardava os alimentos.

Era assim; parava em lugares combinados, preparava o almoço, e esperava a tropa. Eles comiam, eu lavava tudo e seguia na frente para preparar o jantar em algum ponto combinado.

Só que uma vez, era mês de junho, fazia muito frio e chovia muito, não tinha como fazer comida, pois não tinha lenha seca para fazer o fogo e a chuva não dava trégua.

Foram três dias, sem almoço ou jantar.

Todos, inclusive eu, estávamos com muita fome, e a chuva não parava.

Meu pai, em vista do ocorrido me deu a seguinte ordem...

-Guri, tu te adianta até aquela gruta perto de Vacaria, dá um jeito de arrumar umas lenhas e faz uma janta pra nós, de hoje não passamos sem comer, faz qualquer coisa, mas faz.

Uma ordem do meu pai, era pra ser cumprida, ou então o chicote no lombo iria cantar.

Me adiantei com a carroça, e pelo caminho fui catando uns gravetos menos molhados para a fogueira.

A comida seria feijão preto com pedaços de toicinho seco e umas lingüiças cozidas no próprio feijão, tudo acompanhado de farinha de mandioca.

Essa gororoba seria cozida em um único caldeirão de ferro, dependurado sobre a fogueira.

Lá pelas tantas, cheguei na gruta, estava quase anoitecendo, mas eu estava umas duas horas na frente da tropa.

Consegui fazer o fogo, coloquei o feijão, as carnes e aquela que seria a nossa primeira refeição em três dias.

Determinado momento fui verificar se já estava tudo cozido, e cheguei na boca do caldeirão com uma vela para melhor ver ...nisso ouvi um zumbido e um barulho de mergulho na água...meu Deus era um “cascudo” (besouro no resto do país) que com a luz da vela, voou em minha direção, caindo dentro do caldeirão.

Minha situação ficou complicada, pois o feijão era preto, as carnes também escuras, o caldeirão de ferro preto, e uma noite danada de escura e dentro de uma caverna a luz de vela...e ainda por cima como achar o cascudo que também é preto?

Tarefa inglória a minha de tentar achar o cascudo dentro daquela maçaroca preta.

Fiquei ali por nem sei quanto tempo, tentando pescar o intruso.

Nisso chegam meu pai e os peões, todos famintos...o cheiro do cozido e a fome de três dias inteiros os trouxe rapidamente junto do caldeirão com seus pratos na mão...e eu ali, com a vela acesa procurando o danado.

Meu pai, em tom bravo me perguntou num canto...

-Toninho, o que você tanto mexe na comida...

Não teve jeito, tive que contar a ele reservadamente do ocorrido.

Meu pai me olhou com cara de poucos amigos e gritou....

-GURI...APAGA ESSA VELA!

Lune Verg
Enviado por Lune Verg em 01/04/2008
Código do texto: T926919