A Garota dos Olhos

Sabe aquele momento que te deixa em suspensão? Estava eu caminhando, tomando o rumo de casa, sem pressa, mas com aquela pressa rotineira. Atravessando a praça, cheia de gente. Uns sentados, outros em pé, alguns ainda encostados nas muretas, a se preocupar com seus problemas. Rapidamente meus olhos descançam agitados sobre um banco, do outro lado, próximo ao lugar onde poucos segundos depois estaria. Lá, um vislumbre azul varreu meu olhar. Pessoas se intrometeram em minha breve visão quebrando o elo que fora tão fraco. Logo que avanço mais alguns passos é que contemplo a plenitude daquilo. Os olhos azuis, dos mais belos e profundos como jamais havia visto. Foi como se numa fração de segundo estivesse nu, como se aqueles olhos de pureza tão grande, tivessem adentrado minha alma, e vasculhado meu interior. Meu primeiro reflexo foi olhar em outra direção, mas só percebi todo o movimento e sua importância poucos momentos depois, quando lentamente voltei meus olhos em busca daqueles. Tão logo os encontrei, tão logo os perdi. Eles também estavam a minha procura, o que me fez sentir como um semi-deus em meio a multidão, como se fosse o escolhido por uma brecha no espaço. O único a ter aquele olhar voltado para si. Porém, eles foram breves. Assim que os reencontrei, perdi-os novamente. Percebendo o que eu havia percebido, a deusa dos olhos, voltou-os em outra direção. E o meu momento de grandeza terminou-se, retornando para a forma difundida em meio a multidão. Quando meus passos me levaram ao outro lado da rua, foi que tive a coragem de olhar para trás, vislumbrando apenas partes de um corpo escondidos por entre folhas de árvores da praça, que acolhiam a todos os expostos ao sol morno de outono. Tomando por conta o que havia acontecido, suspirei profundamente, e continuei meu caminho.