PAGANDO UMA DÍVIDA

Não acredito que a morte nos iguale, mas, por certo, o conhecimento nos aproxima.

Durante o período de 1969 a 1972 eu via Emanuel Franco no prédio de Dom Luciano, onde hoje funciona o IPESAUDE.

Jorge Neto, José Leite, Luís Rabelo Leite, Silvério Fontes, Manoel Cabral Machado e Emanuel Franco, entre outros, mesmo não sendo nossos professores, eram mestres muito queridos e observados pelos jovens estudantes de todos os cursos da Faculdade de Filosofia.

Nós queríamos muito, admirávamos muito aqueles mestres e as mestras também. Tereza Prado, por exemplo, era professora do Curso de Letras Português / Francês, e como eu fazia Letras Português / Inglês, não fui aluna de Tereza. Entretanto, sentíamos uma atração intensa pelos seus “biquinhos” franceses, charme e cigarro entre os dedos. E até pela voz rouca, grave.

Jorge Neto era um apaixonado pela natureza, pela poesia. Todas as manhãs ele enfiava a mão no bolso do paletó para pegar um comprimido que lhe garantia mais dias de vida.

Luís Rabelo Leite se tornava bonito aos nossos olhos, uma simpatia em terno de linho sempre amarrotado e gravata vermelha. Olhava para cada aluno, de dentro daqueles grossos óculos, e os cumprimentava como se fossem filhos.

Zé Leite passava sério, caminhando sobre uma régua imaginária.

Cabral era o bonitão, o elegante, o fumante que soltava saudosas baforadas em direção a Rosário e Capela.

E Emanuel Franco? Emanuel Franco parecia viver em outro mundo, conversava com o vento, e o vento respondia assanhando seus poucos cabelos. De repente, antes de chegar ao meio do jardim, o professor Emanuel retornava com uma cara de quem havia esquecido algo importante em casa. Hoje, com as explicações de Luís Eduardo Costa, penso que estava era observando os lacerdinhas.

Reencontrei Emanuel Franco na Academia Sergipana de Letras, um homem na pele dos oitenta com uma mente de no máximo trinta anos de idade. Ativo, participante, lançando idéias, propondo novos caminhos para a ASL. Declarou seu desejo de ver a instituição ter representatividade nos municípios. Tinha sempre algo a dizer. Um dia, emocionado, trouxe um telegrama que recebera dos Estados Unidos da América do Norte que li e traduzi durante a sessão.

Ele reclamava, e com muita razão, da indiferença de muitos conterrâneos quanto à sua produção científica reconhecida internacionalmente. Chorava. Chorou muito aqui neste sodalício. Chorou pela ciência e pela doença.

Emanuel demonstrou interesse pelos meus textos e, muitas vezes, além de dizer que apreciava minha produção, me incentivava e pedia insistentemente para que nas próximas sessões ficasse ao lado dele para que pudesse ouvir melhor as minhas leituras.

Outro dia ele me presenteou com um dos seus livros de pesquisa em agronomia. Por incompetência na área, fiquei devendo ao autor algumas palavras sobre as suas vassouras-de-bruxa. Fiquei me prometendo reler com mais empenho a obra para prestigiar o pesquisador. Não consegui. Fiquei devendo também ler os meus textos ao seu lado. Desculpe, Emanuel.