NITERÓI - CAFÉ PARIS - ANOS 1920 III

QUANDO ELA PASSA...

Nelson Marzullo Tangerini

Contava Nestor Tangerini que, em Niterói, nos idos Anos XX [do Século XX], os “parisienses” promoveram um concurso de poesias, entre eles, e o tema era uma senhorita que os deixava suspirando e sonhando.

O poeta, apelidado pela Roda do Café Paris de “Olho de Moscou”, por enxergar apenas – e muito bem – com a vista esquerda – era cego da vista direita -, contava que “a moça mais bonita e formosa” da cidade “era, na época, a senhorita Atalá, neta do saudoso educador fluminense Felisberto de Carvalho. Realmente encantadora, Tangerini, artista apreciador das obras-primas, não podia deixar de a sentir”. E dedicou-lhe dois sonetos.

Eis o primeiro:

QUANDO ELA PASSA...

Quando Ela passa, de sombrinha clara,

Essa, da Moda, esplendorosa Estrela,

Pára o automóvel, pára o bonde, pára

O mundo inteiro: todos querem vê-la...

E todo mundo, estático, escancara

Os olhos grandes, que se aumentam pela

Vontade de envolver-lhe a forma rara,

Num desejo malvado de comê-la...

E a Deusa passa... E passa – indiferente,

Sem medo de que o mundo se desabe –

Bailando as curvas, desmanchando a gente...

E a gente fica a interrogar-se, à-toa,

Como em dois dedos de vestido, cabe

Uma porção de tanta coisa boa!

Lili Leitão, inspirado, também, pela beleza da Vênus niteroiense, escreveu-lhe um soneto com o mesmo título:

QUANDO ELA PASSA...

Quando ela passa, recendendo odores,

Cabelos soltos, à mercê do vento,

Vagarosa e sutil, num passo lento,

Acorda um mundo de febris amores.

Quando ela passa, há frêmitos, rumores,

Atavia-se tudo e é tudo atento;

Palpitam luzes pelo firmamento,

Nascem prazeres, se desatam flores.

Paixões acende pela turba, quando

Passa, divina, derramando graça,

Naquele passo em que ela vai passando.

Cativa e prende e num sorriso enlaça

Os corações, que ficam palpitando

Quando ela altiva e soberana passa.

“Mas não dissera tudo”, prossegue Tangerini, “porque assim pensasse, voltou à sua deidade”, com outro soneto, que dedicou ao amigo parisiense Gomes Filho, outro apreciador da moça:

ATALÁ

Essa que passa por aí, senhores,

De olhos flecheiros e assombroso porte,

É a Salomé de Niterói – a morte,

A guilhotina dos conquistadores.

Dizem que, numa noite de esplendores,

Essa, que inflama a gelidez mais forte,

Mesmo a São Pedro não livrou da sorte

De na Assistência estrebuchar de amores!

Julgais, talvez, ser isto zombaria?

Eu vos direi que não, pois, certo dia,

Em que Ela entrou na igreja onde apareço,

Vi o reverendo todo esbodegado,

E o Cristo ouvi gritar, crucificado:

Vai-se embora, seu diabo, eu sou de gesso!

Se a bela Atalá soube do ocorrido, deve ter rido de tudo, ficado orgulhosa, de nariz em pé, e até esnobado os poetas do Café Paris.

Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.

[Os sonetos acima foram publicados no livro Perfil Quase Perdido – Uma Biografia para Nestor Tangerini, de Nelson Marzullo Tangerini. Perfil foi registrado na Biblioteca Nacional, Rio, em 2000].

n.tangerini@uol.com.br, tangerini@oi.com.br, nmtangerini@yahoo.com.br

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 05/04/2008
Código do texto: T933083