Os medos de Emília

Emília sempre teve medo das coisas, medo da vida, medo de amar, medo da morte, medo de nunca se apaixonar.

Quando jovem, temia se transformar numa mãe como a sua era -uma mulher totalmente dedicada ao lar, sem vontade própria, sem vaidade nenhuma, sem sonhos, vivendo exclusivamente para os filhos, abrindo mão de todo e qualquer conforto pessoal, aceitando calada uma série de arbitrariedades e injustiças, em nome do equilíbrio da família.

O tempo passou, Emília nunca engravidou, não teve marido nem filhos, mas viu sua mãe se tornar cada dia mais calada, mais triste, mais sem esperança, mais dominada, acabrunhada e introspectiva.

A mãe não era mais uma mulher: era uma fonte inesgotável de socorro na hora do aperto, de paciência, de subserviência; seus ouvidos se tornaram um verdadeiro saco de pancadas para as dores dos filhos, agora já grandes e "independentes".

Na madureza, Emília temia se transformar numa velha amarga e solitária, vivendo sozinha, sem amigos, sem amor, sem ninguém ao seu lado.

Fechou-se dentro de si, não permitindo qualquer aproximação; assim, não correria o risco de se entregar a um relacionamento que fizesse dela uma pessoa dependente.

Pois não existe abandono nem rejeição, se nunca houver envolvimento, pensava ela.

Quando não se espera nada de ninguém, não se corre o risco de se decepcionar, de sofrer, de chorar, concluía sabiamente.

O tempo, carrasco implacável, continuou passando...

Emília, já bastante idosa, tinha, agora, medo de morrer!

Medo de encarar o nada depois da morte. (E se não houvesse nada mesmo? Mas se não houvesse nada, como ela saberia?)

Mas, se ao invés do nada houvesse algo além?

Uma espécie de paraíso para os bons, para aqueles que souberam aproveitar cada minuto da existência?

Certamente ali não haveria lugar para ela, que nada ou quase nada de útil fizera.

E se o tal inferno existisse? Lugar de sofrimentos atrozes, de muito "choro e ranger de dentes"?

Não, ela já havia chorado o suficiente na Terra, portanto, lá não haveria lugar para ela também.

Então, o medo se intensificava: Emília temia o nada e, mais que tudo, temia que o nada não houvesse!

Pobre e triste Emília!

Viu passar os melhores anos de sua vida, viu passar a sua vida, não amou, não chorou, não sofreu a dor do abandono, não se sentiu rejeitada, fugiu da solidão, fugiu da convivência.

Por medo de sofrer, ela sofreu.

Por medo de viver, ela morreu -em vida, viva, até definhar de verdade e apenas fechar os olhos!

StelaStela
Enviado por StelaStela em 05/04/2008
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