A TERCEIRA DIMENSÃO

Tem coisas na vida que não são fáceis de fazer, deixar de beber, de fumar, de engordar, de sonhar.

Também não deve ser muito difícil deixar de fumar. Conheço um monte de gente que deixou. O fumante tem uma vantagem, em relação aos demais casos em pauta, ali pelas quatro décadas de vida se dá conta que está feia a coisa para o seu lado. Doenças que se beneficiam das debilidades impostas ao corpo pelo fumo começam a aparecer com mais freqüência, um conhecido enfartou, um amigo ganhou um câncer de presente, pára. Se a bronca, da grossa, foi com ele, pára sem dúvida, ou resolve entregar os pontos, cada um, cada um. A maioria pára.

Deixar de beber é mais complicado. Se o indivíduo se entregou, à garrafa, os seus motivos não devem ser desconsiderados. Se o fumo é rejeitado por grande parcela da sociedade, a bebida alcoólica faz parte das rotinas de muita gente boa. Se o amante da garrafa precisa do AA é doente sem dúvida. Precisa do AA e se nega a freqüentar estes grupos e qualquer tipo de socorro técnico, negando a doença, é um problema “caso de família”. Bebedor de festa é problema de trânsito. Arrumar uma cirrose graças à bebida alcoólica é coisa para “pudim de canha”, salvo as exceções, de forma que a violência associada é mais complicada para o bebum que a cirrose. Parar de beber, são outros quinhentos. Tem quem consiga.

Parar de engordar é para poucos. Quase sempre, para poucas. Depois de engordar, perder uns quilos é um suplício e ganhar, uma facilidade. De quebra, uns quilos a mais. Nem vou me alongar.

O Adalberto, aos quarenta, dizia que estava avançando na terceira dimensão. Quando jovem cresceu vertiginosamente para cima; entre os dezoito e os trinta e cinco anos, para os lados; depois dos quarenta, pra frente. Culpa da cerveja. Não cresceu na empresa, na vida, nas coisas que mais importavam. Mas continua sonhando.

No início dos anos setentas, no sul do Rio Grande, acampar à beira de um rio, com as famílias, era relativamente normal. Sendo lugar distante e reservado, melhor. Foi numa dessas que lá estava a família do “Tio Flor”, assim todos o chamavam, esposa, filhos, genros, noras, netos e amigos. Parece até coisa de convite para enterro, um “povaréu” só. Piquenique de um mês. Tirar fotografia do Tio Flor, num descuido deste, nu frontal, não era coisa que se fizesse. Um genro fez.

Um guri foi à cidade e a foto foi revelada. Naqueles dias que passavam lentos, junto ao rio, a foto virou atração. Era um rindo pra cá, olhando pra vó e rindo. Esta, logo percebeu que algo estranho havia, e tinha a ver com ela. Não demorou, convocou a ala masculina, vovó não era lá de deixar pra depois, coisa não muito comum à época, e foi intimando:

- Podem contar.

Um quis enrolar, vovó cortou o assunto, veemente:

- Podem contar ou é pedir demais?

O genro culpado, que não era dos mais rogados, começou a esclarecer, “é que tiramos uma foto do Tio Flor..., pelado..., de frente...”, e começou a mexer no bolso, como quem procura a foto, quando vovó comentou, com desdém:

- Ah! O meu velho não passa vergonha!