"Um dia com Anita"

Não costumo me aventurar em conversas de rua, às vezes fico assistindo ao entra e sai do comércio que existe bem ao lado da casa da minha mãe: analiso as pessoas, atribuo a elas suas merecidas notas, mas tenho plena consciência do pré-julgamento que faço, por isso sugiro ser este um dos meus passatempos mais inúteis. Afora isto, há também a conversa dos aposentados (que muito tem acrescentado a minha rotina), as discussões sobre os panfletos dos mercados e seus preços, há o vizinho da esquerda com suas olhadelas inescrupulosas e a maldita barulheira da oficina de funilaria.

É difícil a arte do ócio, por esta única razão é que escrevo. Talvez para facilitar o meu contato com um mundo idealizado, visando à exclusão deste meu “olhar” desatento ao cotidiano que tanto me inspiro. Paradoxalmente eu me incluso na complexa rotina de um cidadão comum: o trabalho, a educação dos filhos, o pagamento (ou não) das dívidas, as novidades e as velharias dos noticiários dos telejornais, enfim de tudo àquilo que a minha volta existe.

Na tentativa de me fazer “matéria” aos leitores curiosos, procuro descrever ao absoluto de quem sou. Já recebi títulos incomensuráveis, alguns dos quais nem me atrevo revelar. Outros são tão verídicos que chegam a causar espanto aos meus olhos.

Não sou avessa, não sou conservadora (ou pelo menos na minha definição para tal vocábulo, não me incluo na lista) e não me camuflo, apenas oculto alguns defeitos, mas quem não o faz?

Considero-me uma altruísta, apesar de ainda não conseguir me dedicar somente a ações assistencialistas (afinal, eu preciso sobreviver), não sou econômica (afogo minhas lágrimas comprando algumas futilidades, das quais não poderia aqui citar), não sou gananciosa (por incrível que pareça já “dei” aulas gratuitamente – e de forma implícita faço aqui uma crítica ao salário pago aos professores), mas sou perfeccionista: faço tudo com perfeição, desde as aulas bem ministradas até mesmo o sexo (afinal, esta é uma prática comum entre seres humanos, ou não?).

Eu poderia estar me contradizendo quando uso a minha própria rotina para explicar o meu não conservadorismo, mas a intenção não é exatamente esta. Tempos atrás, numa conversa informal com um colega de trabalho, eu justificava a ausência de tempo na rápida evolução – a modernidade ainda me confunde muito – por isso dou voltas para não entrar de cabeça na rapidez da contemporaneidade (afinal, o contemporâneo não finda nunca).

Apenas tento ainda me definir conforme a avaliação alheia, mas sempre chego a inconcluso, ao inacabado. É por esta razão que me entrego ao seu subjetivo conceito sobre minha personalidade, honrado leitor. Se até hoje você conseguiu chegar na minha última linha é porque de uma certa forma eu chamei sua atenção, e isso é o que verdadeiramente importa, não é?