"Relembrando Fatos Estranhos IV" = Reminiscências=

Durante muitos anos de minha vida, nas décadas de 70 e 80, fui vendedor-viajante. Sempre trabalhando com vendas de livros, fui representante das maiores e melhores empresas da época e viajava muito. Vinha a São Paulo, punha algumas coisas em ordem, prestava contas na empresa, ou vinha para renovar estoques quando por conta própria, e logo estava de novo na estrada.

Muitas vezes preferi viajar de ônibus para descansar do volante. Deixava o carro em casa, pegava um ônibus interestadual e ia para uma infinidade de cidades de todos os portes, incluindo capitais. Na maioria das cidades pequenas não valia a pena ir de carro. Eram cidades fáceis de se percorrer a pé, com poucas ruas, e o carro acabava por afastar o vendedor do cliente em potencial, que era, na verdade, qualquer pessoa que morasse em uma casa decente.

Um dia, indo a passeio para minha terra natal, Belo Horizonte, peguei um ônibus extremamente desconfortável. Velho, barulhento, com um rangido infernal na cadeira da frente que não em deixava dormir ou ler concentrado. A certa altura, irritado pra valer, resolvi sentar-me no banco vago ao lado do motorista.

O camarada não gostou muito e avisou que eu não podia sentar-me ali. Era o lugar reservado para o motorista que o substituiria. Eu disse que ficaria ali mesmo a menos que ele consertasse o banco rangedor. Até a luzinha de leitura dali era muito melhor.

Li durante muito tempo e acabei pegando no sono.

Não sei quanto tempo depois, sentindo um sono pesadíssimo, pareceu-me que alguém me balançava com certa violência pelo braço e vi a Nana, a negra cega que se tornou nossa “santa particular” depois de falecida ao meu lado. Ouvi-a também, nitidamente, dizendo-me com certa braveza: “Anda, menino. Anda. Vai pro seu lugar. Vai depressa e sem conversa.”

Levantei-me tonto de sono, fui aos tropeços até o lugar cujo número constava de minha passagem, enrolei-me em meu casaco de couro e abaixei toda a poltrona ordinária procurando algum conforto.

Mal acabei de ajeitar-me o motorista perdeu o controle do ônibus, saiu da estrada e bateu com violência no barranco cheio de pedras. O lugar onde eu estava até minutos antes ficou totalmente destruído, e muita gente machucou-se com a violência do impacto, sem, no entanto, nenhuma vítima fatal. Eu não tive nem escoriações.

Mais uma vez a Nana em ação...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 07/04/2008
Reeditado em 07/04/2008
Código do texto: T935495
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