REFORMA, A AGRÁRIA!

Na esteira dos argumentos em defesa da cidadania, vemos repetir-se um tema que, aliás, não é novo. Nasci ouvindo falar em Reforma Agrária. Pois bem se é reforma pressupõe-se, em princípio, que o atual modelo esteja obsoleto e não atenda mais aos anseios da Nação, tanto quanto se espera. Senão, podemos questionar quem decide a necessidade de tal reforma. Será que o fato de termos milhares de desempregados, que nem sempre são oriundos de atividades agro-pastoris, nas beiras de estrada e próximos a propriedades tidas por eles como improdutivas determina a necessidade da reforma? Ou ainda, será que tal decisão não prescinde de melhores estudos e de menos arrulhos políticos e eleitoreiros?

Vejamos algumas considerações: o Brasil é um País, não essencialmente agrícola, mas tem sua economia fundamentada preponderantemente na agro-pecuária e seus agros-negócios. Está batendo recordes e mais recordes a cada ano, deixando claro que é, quantitativamente e qualitativamente, competente graças às empresas de pesquisas, privadas e estatais, com a conseqüente transferência de tecnologias. Podemos entender que os produtores, em sua grande maioria, estão aceitando e assimilando bem o desenvolvimento tecnológico oferecido pelos órgãos de pesquisa.

É sabido também que, numa agricultura competitiva, a produção em grande escala torna-se mais apropriada, pois terá custos menores e lucratividade melhorada pela quantidade. De outro lado, os pequenos e micros produtores não seriam competitivos no mercado atual. Isto é quase verdade. Digo assim porque com planejamento, tecnologia e escolha certa do produto a ser cultivado poderá superar tal dificuldade.

Pensemos, por exemplo, que uma Secretaria Municipal de Agricultura organizasse um programa auto-sustentado para o município. Os produtores pequenos e micros seriam os responsáveis pelo cultivo dos gêneros de consumo básico, quer horti, fruti, granjeiros ou grãos, em escala compatível com a sustentação da população do município. O que faltasse seria adquirido de fora. Essa importação poderia ser feita na base de permutas, onde os produtores de uma região venderiam seus excedentes a outra região e vice-versa. Você pode estar preocupado com o grande produtor rural. Bem o grande produziria os gêneros, que exigiriam maior domínio tecnológico e mais gastos em maquinários, próprios à exportação tanto para fora da região quanto para outros países. O que aconteceria se assim fosse?

Isto é hipotético, mas uma coisa parece certa: o preço dos produtos produzidos e vendidos localmente seriam bem mais baratos. E nem falamos em redução de impostos ou encargos sociais, como forma de tornar os preços mais baratos.

Por esse ângulo de argumentação, parece que a distribuição da terra, no Brasil, está do jeito que deveria ser. Eu não gosto do termo distribuição da terra, pois parece que a sua posse deva ser sempre uma concessão gratuita, uma dádiva, sem o ônus característico no capitalismo que implica em aquisição e para isso é imprescindível possuir. Então tem posse da terra quem tem posses para tê-la. Ter terra no Brasil não significa e nunca significará cidadania e sim patrimônio, herdado ou adquirido.

Deste modo, fica até mais fácil resolver o grave problema, defendido por muitos como se assim o fosse, da posse da terra. Seria tão errado se fossem estabelecidos na constituição os critérios para a aquisição da terra? Porque alguém, pessoa física ou jurídica, pretende adquirir determinada gleba de terras, grande ou pequena? Este seria um critério limitante para muitas aquisições sem finalidade produtiva.

Outro critério poderia ser o limite máximo de área por pessoa adquirente. Evitariam-se os absurdos latifúndios sem finalidade produtiva e social. Poderia ainda se atrelar a área a ser adquirida à quantidade de empregos a serem gerados. Não seria bom?

Não estamos falando aqui, e nem queremos ficar nervosos com isso, das terras do povo (governo), invadidas por posseiros e grileiros. Estes se apoderam, na maior cara de pau, do que não lhes pertence e na maioria das vezes nem produz, quando não uns pezinhos de maconha lá no meio, bem escondidinho entre matos, e ainda dizendo tratar-se de área de preservação ambiental.

Os critérios acima foram colocados apenas ilustrativamente, pois num trabalho legislativo normal seriam discutidos à exaustão, fariam-se milhares de emendas, cada uma dizendo-se melhorar o texto, etc. Depois disso, rasuradas e engavetadas, não se fazendo nada diferente do que aí está.

Não há como falar em Reforma Agrária no Brasil sem considerar o movimento que há anos vem sendo o flagelo de alguns proprietários rurais e o salvo-conduto de muitos desempregados que, até por falta de opção de trabalho, engrossam suas fileiras, ainda que seja pelo prato de comida de todos os dias. Este movimento que estamos falando é o MST - Movimento de Trabalhadores Sem Terra. Nesse caso, é de trabalhadores mesmo, pois estou me referindo a todos os movimentos e não a um especifico.

Não há como falar em movimento de trabalhadores sem terra no Brasil sem considerarmos alguns aspectos muito importantes, de modo a não se cometer nenhuma injustiça e, principalmente, não ser leviano em considerações imprudentes.

O primeiro aspecto que considero é o fato de o Brasil ser um País de regime capitalista e democrático. Desta forma, tem a posse de algo quem tem capital para adquiri-lo. Isto já desqualifica a quase totalidade dos trabalhadores, que se chamam de sem terra e se alinham neste movimento. Por outro lado, não se pode negar que alguns estão nesta condição porque perderam suas posses para bancos e agiotas, pela ausência de uma política justa de crédito para compra e investimento na terra. Se ganhar a qualquer custo é o que interessa, o crédito, que deveria ser fácil e justo, se torna algo difícil, injusto, cruel e dilapidante do capital. O produto obtido com os recursos financeiros oriundos de tais créditos muitas vezes não consegue pagá-los e garantir rendimentos aos seus tomadores.

Ultimamente tem melhorado um pouco, mas não o suficiente para acomodar o campo. Geralmente as medidas tomadas são emergenciais, ou do tipo tapa buraco. Remenda-se o velho, sem fazer o novo. Sendo assim todos os créditos bancários no Brasil sempre acabam tirando o sono e o capital do tomador.

Outro aspecto a ser considerado é a qualificação para o trabalho no campo. É sabido que a grande maioria de trabalhadores que se alinham nas fileiras de movimentos de sem terras não tem qualificação para o campo, haja vista uns terem sido bóias-frias no corte de cana ou outras atividades rurais, outros serem mecânicos oriundos das periferias urbanas, outros tantos serem borracheiros, funcionários públicos, etc. Não nos parece correto que o fato de ter um passado ligado à terra ou um desejo de trabalhar na terra seja pré-qualificação para ser proprietário rural e produtor, que é o que interessa, mesmo. Que o digam as ferramentas utilizadas até hoje pelos seguidores, quando chegam para invadir uma propriedade: foice, machado, martelo, facões, pedaços de paus, etc. Parecem mais armas para guerra que ferramentas para trabalho sério nos dias de hoje!

Mais um aspecto que consideraremos é o da legalidade. Se estamos num País capitalista e democrático, onde quem pode compra e quem não pode não compra e onde haja liberdades individuais a serem respeitadas, não é admissível que alguém invada uma propriedade particular, usurpando direitos que não tem. A despeito de acharmos que possa haver melhor distribuição de riquezas e de terras entre a população, mesmo num País capitalista, isso não legaliza a posse forçada.

A distribuição não deveria ser feita graciosamente, e sim através de planejamentos e projetos de longo alcance, onde não haja tanta disparidade entre os proventos salariais dos trabalhadores, seja ele o proprietário ou o funcionário. Um programa bom deveria remunerar o capital corretamente e também o assalariado.

Em adendo à legalidade, temos que repudiar o uso da força como meio de reivindicação, por mais justa que esta seja. O uso de formas totalitárias, por parte dos movimentos, os transformam em movimentos ilegais e muito mais em massas de manobras com finalidade diversa, de grupos radicais de esquerda, para ocuparem espaços políticos e partidários junto à população, longe dos objetivos alegados de direito à posse da terra.

Diante disso, a impressão que fica é que não existe solução para o problema, ou que o movimento não seja válido. Mas, cremos que se possa reivindicar legitimamente a posse da terra e, melhor ainda, planejar sua posse sem que com isso se firam direitos adquiridos ou se use de selvageria de um e de outro lado dos interessados.

E não nos parece viável qualquer solução que não tenha o governo como intermediador, não com paternalismo e sim com justiça.

Cada parte envolvida tem um papel e uma responsabilidade na equação do problema da posse da terra.

Em primeiro lugar temos que discutir se a posse da terra é realmente um problema no Brasil. Pela ótica do movimento é o maior problema, pois criticam os latifúndios que acabam sendo pouco produtivos e geram poucos empregos. Do outro lado, o latifundiário não vê como problema, pois adquiriu suas áreas com seus recursos e o País é democrático e capitalista, não importa se gera poucos empregos, não importa com o aspecto social. Então sobra a preocupação social para quem? Para o governo, pois com planejamento ele poderia equacionar a questão, fazendo com que houvesse maior flexibilização na posse da terra. Como seria possível isso?

1- através do estabelecimento de critérios para a ocupação do solo, como dito antes, com índices de empregos por hectare, por exemplo, e com planejamento da produção, onde cada propriedade deveria adequar-se a normas pré-estabelecidas, com base em quesitos técnicos, climáticos e sociais, com prioridade para culturas que empreguem mais mão de obra em regiões mais carentes.

2- através de estímulos para que houvesse uma distribuição amigável de terras, sem que o direito de posse fosse desrespeitado, com ênfase às parcerias entre os grandes proprietários e trabalhadores sem terra, que tenham qualificações para o trabalho no campo, os chamados arrendamentos.

3- através do incentivo ao associativismo, sem finalidade política, mas como meio fortalecedor que propicie melhores condições de participação no processo produtivo e na comercialização dos produtos.

4- através de recursos canalizados, na forma de créditos, para que os pequenos e médios produtores rurais possam desenvolver suas atividades lucrativamente, se auto-sustentando e não venham a engrossar as fileiras dos movimentos de sem terras.

5- finalmente, através de um correto equacionamento de problemas e soluções do setor agro-pecuário, de modo a diminuir os conflitos quer no aspecto do capital, como das ideologias.

Cabe ao governo a função de mediador entre as partes, mantendo a ordem, estabelecendo critérios e, principalmente, sendo o guardião dos legítimos direitos de cada cidadão, não importando de que lado esteja. Talvez fosse necessária uma boa dose de bom senso para todos os lados envolvidos, quem sabe não falte um ponto de convergência!