VOCÊ GOSTA DO SEU NOME?

Bonifácia Ambrosina uma linda menina de onze anos, estava sentada junto à janela do seu quarto, olhando para o mundo e planejando o que considerava o passo mais importante da sua vida.

Boni, como era conhecida era uma menina cheia de imaginação e dotada de caráter forte. Conseqüentemente, muitas vezes entrava em choque com os pais, cujas idéias sobre o comportamento de uma mocinha de onze anos, do ponto de vista dela eram completamente ultrapassadas.

A atitude dos pais ao colocarem um nome tão horroroso na filha ilustram bem isso.

Naquele último ano, ela passara a detestar ser chamada Bonifácia ou Boni. Achava o nome feio, quadrado, careta, sugerindo que também ela era feia e quadrada.. Não podia recorrer ao segundo nome, pois achava Ambrosina ainda pior do que Bonifácia.

Havia tempos que ela sofria em silêncio, com inveja das suas amigas, que tinham nomes modernos e musicais, como Cintia, Luciana, Angela, Giovana e Jennifer, até que, num momento de inspiração, resolvera dar um jeito. Por que não mudar de nome?

Uma vez tomada essa importante decisão, seguira-se um período de tremenda responsabilidade, durante o qual fizera uma lista secreta, dividida em possibilidades e probabilidades.

Levara semanas deliberando, incapaz de se decidir, hesitando entre Brenda e Liliam, até que, num domingo à tarde, ao assistir ao assistir um programa de televisão, ficara fascinada pela mocinha e resolveu adotar o nome dela, Ana Elisa.

As situações enfrentadas por Ana Elisa no filme eram tão semelhantes às da sua própria vida (pelo menos, assim parecia a Boni, que ela, a partir desse momento, passou a identificar-se não só com a atriz como com a personagem que ela interpretava.

Bonifácia Ambrosina não era órfâ, claro, nem tinha sido adotada, mas fora disso o seriado lhe parecia um espelho perfeito da sua vida. Para começar, os seus cabelos, embora não fossem vermelhos, eram de um castanho brilhante que, por vezes, tocados pela luz, pareciam avermelhados.

Da mesma forma que Ana, Boni também gostava de ler, de inventar histórias, de se imaginar em várias e interessantes situações românticas embora o termo romântica não devesse ser interpretado no sentido convencional. Quase nunca os garotos entravam nas situações por ela imaginadas, pois Boni achava-os todos bobos.

A sua concepção de romântico era imaginar-se como a heroína de aventuras situadas numa ilha, em aviões atravessando continentes, como estrela de cinema, de televisão, ou escritora famosa.

Fosse qual fosse a sua posição no mundo, ela era sempre uma figura solitária, corajosa, íntegra, trágica. muitas vezes incompreendida, sacrificando-se para ajudar os menos favorecidos.

A casa de Boni era numa chácara, quase que inteiramente rodeada por inúmeras árvores frutíferas, ali seu pai trabalhava, como caseiro e, desde pequena, ela considerava as árvores como suas amigas. Sozinha entre elas, podia dar largas às suas fantasias sem medo que a censurassem, que lhe dissessem para “parar de sonhar acordada”.

E quando, finalmente, decidira mudar o nome para Ana Elisa, como a atriz do filme, fora às árvores que primeiro confiara o seu segredo. Como sempre, as árvores tinham acolhido a informação com um silêncio amável, que ela sabia, por experiência, ser um sinal de aprovação.

O mesmo não aconteceu com a sua família. Quando, na hora do jantar, certa noite, a menina Bonifácia anunciou que, doravante, desejava ser chamada de Ana Elisa; a declaração foi recebida com risadas pelos seus três irmãos mais velhos e um olhar de reprovação do pai, enquanto a mãe lhe perguntava, irônica:

- Ana Elisa? Quem lhe botou isso na cabeça, menina? Que há de errado com o seu verdadeiro nome?

- Bonifácia Ambrosina é horrível!

- Era o nome da sua avó, o nome com que você foi batizada. Você recebeu o nome de Bonifácia e vai continuar sendo Bonifácia Ambrosina! É um nome bem bonito, fique sabendo!

Ela tinha argumentado mas, no fim, como sempre, o pai acabara com a discussão dizendo:

- Chega! Você ouviu o que sua mãe disse, não ouviu? Não se fala mais nisso.

Horas depois, o irmão mais velho, Jardel, fora falar com Boni lavada em lágrimas, debaixo de uma árvore e, à sua maneira bondosa mas desajeitado, procurava persuadi-la de que um nome não tinha grande importância, era como um rótulo numa garrafa, o que interessava era o que estava dentro.

Boni deixara sei irmão levá-la para casa, mas não ficara nem convencida, nem consolada com o que ele dissera.

Na sua opinião, tanto as pessoas como as garrafas deveriam ser rotuladas corretamente, a fim de evitar erros.

Tudo isso fora doloroso e terrível, mas o que acontecera

naquele dia fazia com que, em comparação, aquilo parecesse

insignificante. Ela estava sentada à janela, dilacerada pela raiva

e pela dor, convencida de que o abismo de incompreensão que

a separava dos pais aumentara de tal maneira que nunca poderia haver diálogo.

O tempo passou, a menina de onze anos cresceu, e aos 21 anos completos, ingressou em juízo com uma ação de retificação de registro civil, tendo obtido sentença favorável.

O magistrado amparado pela sua erudição foi claro, suscinto e objetivo e sentenciou:

“A imutabilidade do prenome é a regra geral. Admitindo-se como exceções, o erro de grafia eo nome que expões o seu usuário ao ridículo. Mesmo, que, a rigor, não esteja o caso presente contemplado por nenhma destas hipóteses, demonstrada a intenção daquele que efetuou o registro de atribuir nome com grafia diversa da registral, tanto que esta caiu em total desuso, cabe e decido pela retificação do registro civil, conforme requerido”.

Como se vê, a pequena Bonifácia Ambrosina, assimilou a postura arrogante dos pais, esperou a sua hora chegar e pôs em prática o seu desejo. Aceitou a contragosto a imposição dos pais enquanto menor, mas cresceu e ganhou vida própria, fez valer a sua vontade.

Questão de firmeza, coerência de atitudes.

Questão de bom senso.

Ninguém é obrigado a sujeitar-se a vontade alheia, nem que essa vontade seja a dos pais.

RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA
Enviado por RONALDO JOSÉ DE ALMEIDA em 09/04/2008
Código do texto: T938347
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