CAFÉ COM PINGA

Quando criança, ficava muito intrigado quando meu avô tomava café com pinga, como remédio para tudo. Café com pinga para rebater friagem, café com pinga para curar resfriado e gripe. Café com pinga servia até para ele se tratar de uma ferida crônica que havia em sua perna. Lembro bem disso! Quantas vezes o vi tomando café com pinga para tratar diarréia! Segundo ele, café com pinga servia para curar qualquer doença, ou problema. Se não houvesse nada para curar, tomava para prevenir para não remediar depois, mas se mesmo assim contraísse alguma coisa, tomava para remediar. O certo é que, café com pinga era seu remédio predileto e poderia dizer que em qualquer situação era a primeira opção, a segunda também.

Hoje eu entendo o que era o café com pinga para meu avô. Na verdade, ele gostava mesmo da pinga e o café era o acompanhamento que dava legalidade diante da minha avó.

Se alguém reclamasse de qualquer coisa, ele logo receitava o seu remédio favorito: café com pinga! Melhor dizer, pinga com café, mais pinga que café!

Passados muitos anos, meu avô se foi, minha avó também. Mas, tenho observado que café com pinga continua sendo o remédio para quase todos os males. Logicamente, cada setor da sociedade tem seu café com pinga favorito. Estou identificando no presente o café com pinga como as respostas, sempre repetitivas, para determinadas situações nem sempre curando os males para que são ministrados.

Com pequeno esforço, podemos identificar muitos “cafés com pinga” na sociedade moderna. Quando uma resposta ganha notoriedade na mídia, é repetida mecanicamente, como se fosse o melhor remédio de fato. Senão, pense nas conclusões apresentadas, constantemente, nos meios de comunicação sobre as causas da violência. Todos são apresentados como culpados pela situação, menos o transgressor, que acaba sendo a vitima. Ora o problema é a criação dos pais, ora é a pobreza e miséria, e poucos se atrevem a questionar esse café com pinga.

Mas, o café com pinga que eu quero questionar aqui é a onda verde que toma conta do mundo, com sugestões quase sempre as mesmas. Em particular, vou falar da neutralização de carbono. Ora, a internet está cheia de sites falando sobre isso e como proceder para neutralizar as emissões de carbono, mas todos os argumentos são iguais, embora os métodos para calcular esses índices nunca convirjam. Cada um apresenta valores diferentes.

O café com pinga da vez, passa a ser a insistência para que o território brasileiro vire uma mata mundial, enquanto os demais paises, que já desmataram, continuam com suas terras desmatadas, produzindo e pagando para os salvadores do planeta plantar árvores! Onde? Claro, no Brasil! Fico chateado em dizer isso, pois sou defensor de um meio ambiente protegido e cuidado como habitat para todas as espécies nele encontradas, e dinâmico. O que seria isso? O meio ambiente sempre se renova, se dermos espaço para que isso ocorra antes que seja tarde!

Vamos raciocinar: será que a neutralização de emissão se resolveria apenas com plantio de novas árvores? Se pensarmos dessa forma, estaremos com um problema muito grande, pois onde encontraremos áreas para plantar tantas árvores que garantam essa neutralização de emissão para todos os habitantes e todos os seguimentos humanos? Nos EUA, com certeza não será liberada nenhuma área adicional. Na Europa, idem. Sobra o Brasil. Então vamos lotar o Brasil de árvores e depois a gente compra o que precisarmos dos EUA e Europa. Boa idéia? Parece que essa pinga tem até slogan e marca conhecidos.

Creio que, nesse particular aspecto, teríamos que equacionar as responsabilidades de cada um. Existem leis no Brasil que obrigam que cada propriedade rural deixe uma reserva legal, variável em cada região, alem de áreas de proteção permanente. Se isso fosse cumprido, no mínimo, estaríamos garantindo uma reserva mensurável de áreas protegidas. Mas isso deveria ser responsabilidade de cada pais. Que graça tem um País ficar plantando árvores para outro? Porventura o protocolo de Kyoto ouviu de forma igualitária todos os envolvidos? Resumiu os anseios dos mais fortes, que logo se safaram da responsabilidade de cuidar do seus quintais e preferiram cuidar dos quintais alheios. AH! Eles pagam por isso! Os tais créditos de carbono! Esses créditos até são bem vindos para incentivar iniciativas de melhorias quanto à fixação de carbono. Transferir responsabilidades para os países mais pobres, no mínimo é um abuso pois, com isso, além de se safarem das próprias responsabilidades ainda podem controlar até o comércio dos menos desenvolvidos, que sempre estarão às voltas com a prestação de contas desses tais créditos.

Mas voltando a neutralização de emissão de gases, tenho comigo que plantar árvores não seja a única maneira. Qualquer planta, pela fotossíntese, faz esse trabalho de fixar carbono e transformá-lo em biomassa. É sabido, mas ninguém diz, que todas as áreas que foram desmatadas, ainda que de forma inadequada, estão recobertas com algum tipo de vegetação que por sua vez realiza a fotossíntese. Então há fixação de carbono! Não existe área que não cumpra essa função, a não ser as que estão recobertas de concreto, asfalto e construções.

É sabido também, mas ninguém diz, que certas culturas são mais eficientes na fixação de carbono que as matas nativas. Com certeza o carbono fixado numa área de um hectare com cultura de cana de açúcar ou capim elefante, é pelo menos igual à quantidade possível de ser absorvida por área equivalente de mata nativa na Amazônia por período de um ano. Então, se o café com pinga, do momento, é a neutralização de emissão de carbono, pela fixação por meio do plantio de árvores, podemos até dizer que em muitos casos seria preferível plantar cana de açúcar e capim elefante, ou qualquer outra cultura que produza bastante biomassa.

Imagine aqueles cerrados ralos, secos, caatingas, com pouca biomassa, que fixam pouco carbono, pois tem pouca biomassa! É melhor arrancá-los e plantar eucalipto, cana ou capim elefante em seu lugar, que certamente produziriam mais quantidade de biomassa e conseqüentemente fixaria mais carbono, melhorando a relação entre emissão e fixação? Você faria isso? Ora, dá para ver que café com pinga não funciona sempre!

Fica marcada a dúvida. Que remédio podemos tomar nesse caso? Café com pinga preventivo parece não ter tido muita eficácia. Café com pinga curativo, há que colocar alguma aditivo. Melhor mesmo seria continuar procurando o melhor doutor...!