Desde que me transferi para Belo Horizonte, tenho feito trilhas a pé, aliás, essa é uma atividade esportiva muito difundida devido ao relevo montanhoso do nosso estado e a beleza das cachoeiras e matas.
Sempre as faço em grupo, até por uma questão de segurança, entretanto naquele sábado saí sozinho, apenas em companhia da nossa cadela da raça boxer chamada Hana.
Seguia pensativo, quando numa curva do caminho avistei um senhor mais velho, carregava um cajado e parecia querer um companheiro para a caminhada.
Antes que eu o cumprimentasse ele se voltou em minha direção, olhou-me e fez a seguinte saudação:
-Bom dia, observei você e percebi que anda muito cabisbaixo.
-Bom dia, respondi. Intrigado em perceber que ele estava certo, andava cabisbaixo e pensativo porque tinha acabado de despedir de minha filha para uma viagem longa e o meu coração de pai estava com o pressentimento de que a viagem seria mais longa do que o previsto.
Começamos a seguir juntos como se fôssemos velhos companheiros de trilha e que tínhamos combinado aquele encontro.
Logo a frente perguntou:
- Essa é sua filha única?
-Disse não.
-Filhos não são nossos, são do mundo, pior se fosse filha única não?
-Tenho outros dois filhos não menos queridos, respondi.
-Seus filhos lhe trarão muita alegria e na verdade estarão retribuindo o que foi dispensado a eles.
Continuamos a andar, comecei a questionar em silêncio:
-como é possível esse senhor saber essas coisas? Será por experiência?
Mudei completamente o assunto.
Com a criminalidade atual não há ninguém que possa se sentir seguro em nosso país, nem no mundo.
-Poucos estarão seguros, os de coração puro, esses estarão protegidos.
-fique tranqüilo, retrucou.
-No meio de todo mal, há o bem.
-No meio de toda tristeza, há a alegria.
-É só saber escolher e buscar.
-Não desanime com o que você vê ao seu redor, continue trilhando o seu caminho atemporal, afaste-se dos invejosos,dos gananciosos, dos corruptos, esses trilharão outros caminhos.
Quando estávamos em uma subida forte, fez uma súbita parada e disse:
-Você conhece o vale das flores?
-É por aqui, acompanhe-me.
Mudamos o curso, viramos para a direita e descemos, logo abaixo estava a entrada, e já começava mostrando porque se chamava vale das flores.
A entrada estava coberta de beijinhos coloridos a nos dar as boas vindas.
Paramos para apreciar, e no silêncio dava para escutar o ruído de um preguiçoso regato que corria á nossa frente.
Seguimos caminhando e ele foi à frente, mostrando toda a beleza das grandes e úmidas árvores, a vegetação rasteira e o ruído dos pássaros.
Fiquei atônito, já passara várias vezes por ali e não tinha percebido aquela entrada. No meio de uma montanha de formação rochosa e cascalho, estava tal paraíso.
Novamente paramos, aproveitei para perguntar:
-Como o senhor descobriu esse lugar?
-O senhor vem sempre aqui?
Ele me convidou para assentar num tronco e disse:
-Como você pode perceber o paraíso fica muito perto dessa montanha de pedras sem vida aparente, é só saber trilhar os caminhos certos para distingui-los.
Dito isso, colocou-se de pé, caminhamos mais uns trinta metros, de repente ele me disse, estendendo a mão:
-Nos despedimos aqui.
Antes que eu dissesse qualquer palavra, apertou fortemente a minha mão, olhou-me mais uma vez e começou a andar e aos poucos desapareceu entre as numerosas árvores.
Aquela trilha tinha me deixado uma grande lição e a certeza de que bons caminhos existem, é só saber procurá-los e manter a caminhada.
 
Renato Paes
Renato César Nunes Paes
Enviado por Renato César Nunes Paes em 12/04/2008
Reeditado em 12/04/2008
Código do texto: T942708
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