Edvaldo, o porteiro

Nove e meia da noite. O portão automático da garagem dos fundos se abre. Um monza vinho, insulfimado, com rodas esportivas entra e é estacionado na vaga de garagem do apartamento 52, que há três anos está desocupado.

Do carro sai um homem com pouco mais de 1.60m de altura. Vestido com calça jeans Levis, camisa branca e de mocassim marrom, o homem segue até o vestiário de funcionários do edifício Rio Verde onde se tranca e sai, dez minutos depois, com uniforme de porteiro. A camisa de tecido barato se contrapõe a que ele chegou no edifício. Os botões prestes a arrebentar delatavam o excesso de peso do homem, que seguiu com passos firmes até a portaria.

- Vai homi, vai pra casa! Já deu sua hora. – disse o homem baixinho ao outro porteiro.

O porteiro diurno deixou seu posto de trabalho, o homem de 1.60m sentou-se na cadeira e assumiu seu posto de porteiro noturno. Seu nome é Edvaldo.

Edvaldo é porteiro noturno no edifício Rio Verde há dez anos. Entra no serviço às 10 horas da noite e sai às 06 horas da manhã. Seu carro equipado, suas roupas de grife e os constantes cochilos em serviço denunciavam que ele exercia outra função durante o dia. Em Pirituba, tem uma doceria que vende de chup-chup à trufas artesanais. O comércio só foi descoberto por dois garotos do prédio, Marquinhos e Fausto, que durante um passeio de bicicleta pararam para tomar um refrigerante e o surpreenderam.

Observador, o porteiro sabia como impedir que os moradores o denunciassem ao síndico por seus cochilos noturnos:

- Êta, Renata, deixa seu pai te pegá de pileque pra ocê vê... – disse à moradora do 146 que chegava bêbada em uma madrugada.

- Ôxi, homi, onde tu vai que tá todo purpurinado? – dirigiu-se ao morador do 121, que buzinou durante quinze minutos enquanto Edvaldo dormia na portaria.

Antes que os moradores reclamassem de sua demora em abrir o portão devido aos cochilos, surpreendia-os com particularidades e intimidades. Os moradores, com medo que Edvaldo propagasse seus segredinhos de vida noturna, não denunciavam o porteiro chantagista.

Edvaldo cria uma cumplicidade com os moradores. Uma forçada intimidade que há dez anos o mantém no emprego.