O PRÍNCIPE

Malba Tahan, no livro Contos e Lendas Orientais, “Na oitava casa da vida”*, começa: “No famoso jogo de xadrez, o peão quando sobe as oito casas do tabuleiro, não permanece peão. Transforma-se em outra peça de valor (na oitava casa o peão, ao perder sua utilidade no jogo, não ataca, nem defende, é promovido, podendo virar dama, torre, bispo ou cavalo)**. Isso mesmo - asseguram os sábios - ocorre com os homens no tabuleiro da vida. Mas há transformações bem estranhas para certos homens que atingem a oitava casa da vida”. Após fazer uma análise do perfil das transformações humanas, em paralelo com as funções das peças no jogo de xadrez, conclui dizendo: “Mas - pela glória do nosso profeta - evita tua transformação em cavalo. Triste, bem triste, é o destino daquele que se converte em besta na oitava casa da vida”.

Pois tem gente que se acha. Uns por beleza, outros por suposta cultura, outros por serem bem sucedidos economicamente. Outros se acham mais que os outros porque tem uma religião, uma cor, um partido político, e até mesmo tem gente que se acha por causa do seu time de futebol. Nada mais chato que alguém que se acha. Normalmente, chegou lá amparado por uns, apoiado por outros.

A Maria cresceu influenciada pela mãe que todo dia arrumava um modelito novo para colocar na sua cabeça, cabelo assim, cabelo assado, tranças, mechas, longos, curtos, tudo combinando com as roupinhas de patricinha mimada, adquiridas em lojas de grife. O problema da filha foi a forma. O pai e a mãe não eram dotados de melhores atributos físicos, daí que a academia ajudou, o cirurgião corrigiu, mas da beleza da moça só se pode dizer, “comum”. Cresceu, foi morar sozinha, providenciou belos quadros para decorar o apartamento, e levou um gaiato para “conhecer” sua morada. O cara chegou, observou os lindos quadros com imagens femininas estilizadas em poucos traços e, embora nem de longe a identificasse nos mesmos, questionou:

- A modelo?

- Eu, respondeu a Maria, sem o menor constrangimento.

O Bonifácio cresceu numa fazenda, onde fazia todo tipo de serviço. Entre eles, carneava ovelha. A vítima da manhã era a alegria no churrasco da noite. Então, conheceu o que havia na barriga da dita, a buchada, lógico, também chamada por aqui como frussura. Todo mundo sabe o que um bicho, mesmo que seja humano, tem na barriga. Acontece que as coisas se acomodaram para o homem que, em poucos anos, transformou-se num novo-rico. Insuportável. Não demorou muito e alguém atacou:

- Tu tá que parece ter um Rei na barriga.

O Bonifácio, do alto da sua arrogância, não deixou por menos.

- Se eu não soubesse o que a gente tem na barriga, ainda assim te diria que é impossível.

Continuou:

- Nesta barriga, e com um gesto apontou para a sua, fosse possível, poderia estar o príncipe!***

*Se quiser ler Contos e Lendas Orientais, “Na oitava casa da vida”, de Malba Tahan, pseudônimo de Júlio César de Mello e Souza, autor de “O homem que calculava”, sua obra mais conhecida, acesse o site http://books.google.com.br/books?isbn=8500018429

**Observação minha.

*** Comentei, mais ou menos assim, uma crônica onde o autor citava um sujeito que parecia ter um rei na barriga.