HEMORRÓIDA.

Era um domingo.

Estava fazendo a prova do vestibular.

Naquele ano não passei.

No meio da tensão, estourou-me a hemorróida.

Sangrava igual mulher menstruada, por outro orifício.

Calça empapada de sangue.

Jovem demais, com vergonha de tudo.

Queria que o mundo acabasse em buraco pra eu ficar ali escondidinho sangrando até morrer.

Só na cidade, não conhecia ninguém.

Era uma cidade estranha pra mim.

Não sabia nem os seu pontos cardeais.

Com muito jeito, abandonei a prova.

Coloquei as mãos pra trás com meus objetos fazendo pose de introspecção e saí da sala sem ninguém notar a minha ausência. Quem notou, agradeceu: menos um na concorrência.

Pedi informação e fui pra um hospital.

Andando, com as pregas rasgadas.

Uma dor danada. Andava igual mulher grávida próxima ao parto. Um pezinho aqui, outro ali, bem devagar. Perdendo as forças por causa da hemorragia, já ia escorando pelas paredes nas ruas.

Era domingo, nas ruas não tinha ninguém. Nem táxi. Me valia de que um táxi, não tinha dinheiro. E nem por filantropia alguém me levaria pro hospital.

Cheguei no hospital, vazando sangue.

Me dizem. Não tem proctologista de plantão.

Uma alma caridosa, disse: no bloco C tem uma médica proctologista. A equipe dela é só de mulher.

Sempre imaginei uma mulher olhando minha bunda. Mas, num ângulo desses, não imaginava não.

Topei a parada e fui pra cirurgia.

Fiquei de quatro, bem vulnerável, apesar do avental.

Entraram três mulheres.

A doutora era uma loira fatal.

Não imaginara tanta beleza numa médica num domingo pra operar o meu ânus.

Pô! A hemorróida não poderia ser no pinto?

Que sacanagem!

Bem, fui operado.

E pros curiosos não fiquei de pinto duro.

Nem o super-homem ficaria de pinto duro numa situação dessas.

Passei alguns dias em banho de assento em bacia de água morna.

Cicatrizou.

Nunca mais vi a médica, que também só viu o meu cu.

Nem olhou-me a cara.

Depois, passei no vestibular.

Mas isso é outra estória.

jose antonio CALLEGARI
Enviado por jose antonio CALLEGARI em 08/01/2006
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