AMOR FANTASMA

O relógio devia marcar umas duas e meia, era madrugada, quando me pus a atravessar a varanda. A lua minguante apontava no céu, apenas um risco luminoso e prateado, desaparecendo naquela imensidão, como um manto negro cravado de estrelas.

Segui alguns passos distraídos, meus pensamentos estavam distantes, não pensava no agora, estava vagando em outro lugar, quando um arrepio me cortou a espinha, e meus pêlos do braço se arrepiaram. Virei-me assustado, a procura de algo, e entre vários vultos sem formas ou importância, um rosto familiar surgiu.

Dizem que sentimos quando estamos na presença de um fantasma, e eu descobriria naquela noite que isso era verdade. Nosso coração gela, nossa mente parece um filme, que nos arremete a lembranças... um frio domina cada parte do nosso corpo.

Era G, que após me ver e me reconhecer se aproximou.

Tudo a minha volta voltou ao normal. O som da boate voltou a estremecer a casa, e as pessoas que se refugiavam na varanda, voltaram a ganhar rosto e importância.

G tinha total ligação com E. – uma pessoa que eu havia conhecido exatamente naquela boate, alguns longos meses atrás. E., que estava passando suas férias aqui no Brasil, morava há seis anos em Nova York. Porém, depois de dois encontros impregnados de desejo, carinho e sentimentos que nos transformam por dentro, como pessoa, como homens, como seres humanos, E. tivera que voltar para casa, e me deixou apenas com a memória do seu cheiro, da sua voz, seus olhos, e seu toque. E rever G após esse espaço de tempo era de certa forma estar mais perto de E., e verdade seja dita, era tudo que eu desejava e queria naquele momento.

G perguntou se eu tinha notícias, e de fato eu não as tinha. E., depois que partira para sua casa, nunca mais entrara no Orkut ou MSN. Após uma breve conversa desconectada e confusa, G voltara para onde vinha. Porém, eu não tinha forças nem para dar um passo para trás, ou outro para frente. Tudo que eu estava querendo não ver, tentando não sentir, se manifestava com tamanha brutalidade que me deu vontade de chorar.

Nesses longos meses, muitas coisas tinham acontecido, novas noites foram vividas, novas bocas foram beijadas, e novas pessoas cruzaram meu caminho. Porém, nenhuma delas tinha despertado o que E. despertara. Não sabia bem o que era, mas era um sentimento forte, mais forte do que eu. Um calor dentro do peito, um espaço denso na minha mente. E na sua ausência um buraco gigantesco em minha alma.

Nunca mais tivera notícia de E., era como se ele tivesse pegado aquele avião e atravessado um véu, ficando incomunicável, não só comigo, mas com todos seus amigos de longa data.

De outro lado, sua ausência era extremamente barulhenta e perturbadora.

Com o tempo, pensei que aquele manto saudoso iria uma hora sair das minhas costas. Mas ele foi se tornando cada vez mais denso e pesado.

E. estava em todos os lugares, não seu corpo físico, mas de alguma forma ele sempre estava presente. Nas minhas idas a boate, ao olhar para a porta do banheiro, onde ficava esperando E. voltar, na televisão, já que a toda hora tem noticias de NY, a minha série predileta que se passa na Cidade da Maçã, na boca da minha mãe, que trabalha na mesma área que E. trabalha lá fora.

Suas lembranças vinham à tona a todo o instante, e eu não as procurava, a vida sabe o quanto era doloroso em alguns momentos relembrar momentos e não poder ligar para a pessoa e perguntar: – Você está bem?

Não sentir sua respiração, as formas do seu corpo. O cheiro da sua pele...

Tendo isso ao meu lado, como uma presença, eu me pergunto: quando alguma coisa passa e suas necessidades ficam, o que fazer?

Era isso que eu sentia com E. Ele tinha passado, e fôra ótimo, eu não poderia pensar em seguir minha vida sem vivenciar aqueles lindos momentos. Mas o que machucava era que tais lembranças eram invocadas a toda hora, como sinais. Pois sempre que estava próximo a exorcizar aquela presença os sinais voltavam com força, com intensidade, transformando tudo em mais forte e real.

Não era a primeira vez que isso acontecia em minha vida. São Paulo era uma delas. Apesar de não morar mais nela, meus sentimentos, minhas necessidades e os sinais estavam sempre presentes em minha vida. E aprendi a viver com essa ausência, com essa carência, apenas tendo a presença. Mas não estava agüentando viver com o fantasma de E. que me seguia todas as noites.

Foi ai que notei que E. não era de fato um fantasma, ainda vivia, e como! Só que por algum motivo maior, a vida tinha nos posto em caminhos e paises opostos, ou distantes.

E. não era e não poderia ser um obsessor, ele estava mais para um ser de luz, alguém iluminado. Não havia motivos de um exorcismo. Ou de me magoar. Se a vida tem um plano, um rumo... ela está vendo por um outro plano. Estava disposto a confiar nessa brilhante trama chamava Vida!

E eu tinha sorte de ter lembranças tão boas, e ter a certeza que como outros estava apenas a uma passagem de avião de distância da pessoa que a gente gosta!