DOIS CIGARROS

Tento ir alem de meus sonhos e sempre paro na mesma estrada. Meus pés descalços na terra seca, vento quente, suor escorrendo na testa, olho o horizonte, imagino como seria ir em frente, fico ali, parado algumas horas, fumo meu cigarro de palha, tomo um gole de água de meu cantil de cuia, admiro a seca ao redor, e volto para casa. Tento ir alem de meus pensamentos, e sempre paro na mesma avenida, encosto o carro, deixo todos os outros passarem, meus pés descalços sentem o acelerador, e sempre freiam meus impulsos, olhos as luzes da cidade, acendo meu cigarro, tomo um gole da cerveja que comprei na conveniência, admiro a noite, olho ao redor, e volto a minha casa. Acendo a vela, não tenho sono, sinto que algo falta, ouço o barulho dos guarás e rapineiros, pego a arma, a cachaça, saio de meu barraco, de pau e pique, vejo o céu estrelado, dou dois tiros para espantar a bicharada que de mansa nada nem, sinto a solidão, acendo outro de palha, penso na estrada. Acendo o lamparina, estou sem sono, falta tudo, não tenho nada, ouço o trem, os carros, aviões passando, pego meu cigarro e outra cerveja, as chaves do carro e saio por ai, buzino para atravessar a rua, sinto o amargo de estar só, penso na estrada. Olho meu barraco, penso na seca, amo minha terra, me segura este amor, mas penso nela, e vejo que nada ficou, o que aqui nasceu, secou junto com a seca, meu amor, foi castigado pela seca de sentimentos, cuidei, busquei flores distantes, como água em poço distante, mas trouxe, cheguei aqui, e nem carta, bilhete ou nada, ela se fora, sem nada deixar, nem pingos de lagrimas para brotar saudade. Olho meu prédio, o porteiro de sempre, penso no trabalho, na correria do dia a dia, nada me segura aqui, o trabalho talvez, lembro dela, seu canto, seu perfume, vejo que agora, sem ela, tudo é preto e branco, tudo é seco, estou no deserto, no sertão, me vejo só, ela se fora e nada falou, deixou roupas, tudo, se foi, sem deixar pistas, nada alem das flores que trouxe do trabalho quando descobri que tinha me abandonado ali, com minha saudade e mais ninguém. Pego meu burro, sento no lombo do bicho, decido, vou embora, sigo estrada e como poeira, atravesso a estrada de chão, dou o passo que faltava para mudar o que antes não queria ser mudado, deixo atrás de mim a angustia e a saudade, faltava trocar uma pela outra, agora, via só o mundão a frente, ia sim, a tal cidade grande, cortar concreto e talvez assim aprender a cortar os vestes que meu coração se cobriu, concreto puro. Entro no carro, fecho tudo, vou embora, que se dane meu trabalho, pego a estrada que antes era o limite, e sigo o mundo agora sem limite, deixo a magoa para traz e busco agora o que vira neste buraco tão fundo que tenho aqui comigo, vou onde puder, subo estrada e quero ver onde a seca bate forte, sentir que ainda pulso em mim e levar minhas lagrimas para regar solos que valorizem algum tipo de água, que seja meu pranto. Dias a fio, meu burro morre, sigo na boleia, viajo dias e noites, e agora estou aqui, a pé, andando, e só penso no que vejo. Dias dirigindo, a gasolina acabou aqui, no meio do nada, penso só no que vejo ao redor, me preocupo com o lugar, nada alem de mim, espere, vejo alguém, andando em minha direção, um nativo, calças batidas, sandálias de couro, colete xadrez, chapéu sertanejo, vem fumando um cigarro de palha, sereno, cara de solidão, vem em minha direção, devo me preocupar? Eita, vejo um veiculo parado, de longe da para ver que é gente da cidade grande, de calça jeans, camiseta colorida, gosto das cores, bonitas, cabelo que aqui nestas bandas homem cabra macho não tem, mas tem cara de ser boa gente, e cara de solidão também, me aproximo, não me preocupo, nesta vida nada mais me assusta. O tal sujeito se aproxima, sou graças, afinal, meu isqueiro havia acabado o gás, e o acendedor do carro não funcionava, peço fogo, o caipira prontamente acende meu cigarro, ofereço um, ele aceita e me oferece um de palha, aceito, fumamos juntos. Eles conversam, muito, o tempo ali não tinha valor, cada qual conta seus desmazelos e dramas, descobrem em fim, e pensam. Quem diria, o cara da cidade, larga tudo por amor, e vem pra seca esquentar o coração que já parava, eu indo pra cidade, esfriar meus pensamentos e quebrar meu concreto. Quem ia pensar, esse cara, caipira, sertanejo, tem meus sentimentos, carrega o abandono e solidão, e que loucura, ir para cidade, enlouquecer mais ainda naquela bagunça. Ficam amigos, e descobrem, o mundo rodou, girou, as mesmas historias foram contadas em cenários diferentes, onde os dois, se encontrariam, e aquela amizade durou o tempo da vida de cada um, nunca mais se viram, mas aqueles dois cigarros, acenderam toda a chama que ambos precisavam, buscaram suas amadas, e claro, não as encontraram, mas perceberam, o amor, não se acaba na seca nem na cidade, não se prende um coração para sempre em concreto, não se deixa o mundo para traz, cada passo caminha a volta de nosso próprio mundo, seguiram, novos amores, novos mundos, os dois, ali, eram apenas, o ponto marcado como zero, de suas novas caminhadas em novas e varias novas estradas, fossem de chão, fossem de concreto. Ficou no ar, dali em diante, ele, da cidade, só fumou palha, ele, do sertão, cigarro normal. Amizade de dois cigarros, queimou o passado, e mudou dois futuros.