ABUTRES DE PLANTÃO 

 

Por saberem que sou psicóloga, alguns amigos me pedem para opinar sobre diversos temas, como se minha palavra de psicóloga, fosse decisiva para as polêmicas públicas. Pediram-me muito que eu falasse sobre o caso Isabella. Muitos por uma questão mui óbvia: querem entender o horror que lhes assolam a alma. Outros, por querer entender a psique humana, e outros pra que eu lhes confirme a revolta e lhes dêm crédito à indignação.

 

Não obstante, passei bom período, sem poder falar sobre o caso, pois não conseguia enfocá-lo apenas com olhos psis. Cada vez que eu olhava a menininha que fora brutalmente assassinada, o peito apertava e lágrimas me vinham à face, como eu fosse uma mãe que não estava perto pra cuidar dela.  É comum, que se assole em nosso psiquismo uma identificação com a vítima ou com a mãe dela. Em ambos os casos, o dor fala muito alto.

 

Quanto ao monstro que a torturou e a assassinou, o associamos a um Lobo Mau ou Bicho Papão da infância e clamamos que um Caçador o encontre e o extermine. Porém se nos colocarmos no lugar da mãe ou pai que a amava e cuidava, nos assustamos com o ímpeto assassino que emerge dentro de nós, e queremos fazer justiça com nossas próprias mãos.

 

Há, no entanto, quem se identifique com o vilão assassino. E estes têm duas reações: se espantam consigo mesmos e se transportam radicalmente pro outro lado da moeda tornando-se "santos", ou, simplesmente, gozam solitariamente com o ato violento ou a perversão em si.

 

Fiquei bastante chocada com o comportamento daqueles que chamei de “Abutres de plantão”. São pessoas que se identificam com o agressor e interagem com ele de forma passiva. São tão monstruosos e perversos quanto os monstros ativos. São comumente vistos em acidentes de trânsito, velórios, e outras tragédias, onde o ser humano jaz exposto e impotente, revelando suas mais grotescas intimidades. Sangue? Alguns têm horror, outros, atração, claro, se o sangue for alheio.  Vocês já repararam que num acidente de trânsito, se há uma vítima, coberta de sangue, alguns motoristas diminuem a marcha e até param no local para apreciar a desgraça que ali paira? E os comentários? Que chocantes, não?

 

Outro dia desses, meu irmão, que no passado sofreu um acidente de trânsito e escapou por pouco, pois ficara preso nas ferragens do carro sem se ferir, comentou que o que mais lhe chocou foram os comentários que escutou neste ínterim.  Coisas como: Coitado, se não morreu ainda, deve ta agonizando! Olha a mão dele, ta mexendo, deve ta em agonia. Morreu, com certeza, e se não, vai ficar aleijado!

Coisas desse tipo o deixaram horrorizado e até lhe passou na cabeça por um instante (já que é uma pessoa bem humorada) que levaria uma surra daqueles que ali se encontravam quando descobrissem que estava vivo e bem.

 

No caso Isabella, os abutres de plantão, não fizeram diferente.  Fizeram serão em frente ao prédio onde os dois suspeitos moravam e aguardaram pacientemente por cada detalhe que se consumia naqueles dias do envolvimento entre peritos, polícia, suspeitos. Cada novidade era como um pedaço de carniça jogada aos vermes.

 

Assisti num telejornal desses qualquer que, enquanto os peritos faziam a reconstituição do crime no apartamento dos suspeitos, um aglomerado de curiosos, oportunistas e dublês de jornalistas se acotovelava no lado de fora do prédio. E dentre outras coisas, vendiam balas, refrigerantes, faziam poesias (pasmem!) com o nome da menina, acenavam cartazes e outros chamavam atenção para sua própria tragédia particular, como um senhor aposentado, que vociferava que a situação dele era pior, pois a pensão que recebia, não dava pra comprar os remédios que precisava.

 

Enfim, caros leitores, o que falar mais sobre as diversas perversões humanas? Se eu acho que o pai e a madrasta da Isabella a mataram? Acho possível, sim. O ser humano perverso não tem amor, limites ou empatia dentro de si. Para esses tipos, o outro é apenas algo descartável que pode lhes ser útil enquanto lhes convier. Depois, pode muito bem ser jogado fora – independente desta pessoa ser um desconhecido, um amigo ou um filho. 

Ah! Pode ser um caso de extrema falta de controle dos dois também e nenhuma tolerância à frustração. Descontrolaram-se com a menina que chorava e "enchia o saco", bateram nela, estrangularam e...Ops! Morreu... E agora? Que mancada! Vamos nos livrar do corpo?