Fogo que Arde e Dói
- Mostre-me seu ferimento - começou o doutor.
Ela arregaçou a manga de sua camisa de seda, até a metade do braço esquerdo. Mostrou sua pele morena de sol, lisa como se nunca tivesse sido tocada.
- Não vejo nada aqui.
- Mas dói. Bem no meio, e reflete em todo o antebraço, até a ponta do dedo anular. Esquenta e adormece. Daí começo a chorar.
Ele apalpava seu braço, tirava a pulsação. Seu coração parecia a bateria de uma escola de samba.
- Desde quando está doendo?
- Há meses.
- Algum acontecimento anormal neste período?
- Não. Só conheci um homem. Aquele que talvez, seja o homem da minha vida, sabe? Se é que isso existe.
- E vocês têm saído juntos? Ele te ofereceu alguma bebida diferente?
- Não, não saímos. Ele me embriagou e desapareceu. Disse que estaria sempre lá, mas nunca mais esteve. Não deve ser mentira, porque o homem da minha vida não mente, e eu sei que é ele. Então não sei o que aconteceu. Mas agora o braço dói quando penso que ele já não está...
O médico baixou a cabeça, tirou o óculos e coçou a testa com um ar preocupado.
Incurável, foi seu diagnóstico. Não é doença, mas é letal. Não há profilaxia. Incurável enquanto a cura estiver foragida. Enquanto não retornar, a saudade e a angústia do amor não-correspondido vão doer, e o braço esquerdo vai queimar como fogo. A solução para amenizar é única: dormir. Hibernar. Tomar o veneno de Julieta e esquecer que o amor existe.
Mas lembrando-se de continuar respirando, para não perder a cura de vista.