A PARTILHA
Caminho sem pressa.Passos cadenciados,sem direção definida.An-
do,pensando como a cidade é bonita com seus prédios batidos de sol e
os vidros dando reflexos.Gente anda apressada para trabalhar e cons -
truir a sociedade.A cidade é bonita nos carros que passam em fila, rui-
dosamente.A fumaça escapa dos veículos e sobe em espirais,formando
uma bela nuvem negra, como um negro véu, que surge sobre a terra,
empanando o céu. É pressa. As buzinas comem o ar com precipitação,
exigem passagem.Pressa.Gente que deixou o trabalho,homens de gra-
vatas,executivos,homens de fábricas.Motos,caminhões,apertando-se
nas ruas.
Chego à praça.A tarde finda.Uma belíssima tarde de primavera. A
praça está vestida de jacarandás.Pombas revoam,em torno,numa glo-
riosa agitação de asas brancas. Procuro um banco para descansar.
Sento-me e observo meu companheiro ao lado. Idade impossível de
saber-se.Seu rosto enrugado é sereno e articulado como uma gravura
medieval.É com seu olhar que ele me toca como uma flauta,tirando de
mim as melhores notas, os melhores acordes, as melhores escalas.
Olho-o demoradamente e quando nossos olhos se encontram ele sorri, com um sorriso largo nos lábios murchos.
"Gosto desta praça.Venho aqui todos os dias para ocupar o tempo
que é vagaroso. Conheço pessoas,reencontro velhos amigos e compa-
nheiros.Moro sozinho e na minha idade os amigos ficam raros."
Este homem bem no íntimo espera um acontecimento qualquer,
como os marinheiros em perigo, relanceiam olhos desesperados pela
solidão, procurando ao longe alguma vela nas brumas do horizonte. O
homem,como eu,andou sem querer andar,sentiu sem querer sentir.
Cansou sem querer cansar.Ele, em sua solidão no ocaso da vida ,
partilha a minha solidão de jovem desempregado.
Publicada na Antologia Internacional "Del Sechi" - Rio de Janeiro-2002
Crônica extraída do Livro: "Os últimos acordes do concerto"
Contos e Crônicas - Suely Braga