A HISTÓRIA DE MINHA AVÓ ESTER

Muitas coisas tenho a falar sobre essa mulher revolucionária...

Seu nome: ESTER, em homenagem à personagem bíblica.

Ela nasceu em Altamira, no Pará, sempre foi tímida, sorriso suave, voz modulada, tinha como toda mocinha, sonhos... diversos deles.

Era de baixa estatura, corpo franzino, cabelos longos, loiros e encaracolados, olhos de um azul da cor do mar.

Pertencia a uma família fundadora da cidade de Altamira, os Viterbino, oriundos do Rio Grande do Norte, só que Ester nunca foi além do Rio Xingu, mas guardava dentro de si a vontade de andar de avião.

Seus pais, Presbiterianos tradicionais, viviam sempre em volta às atividades da igreja que pertenciam, e nesse ambiente Ester crescia.

Um dia, contando já 13 anos, ela e sua mãe estavam a fazer os afazeres domésticos quando alguém bate palmas, seu pai vai atender e qual não é a surpresa em deparar-se com o sobrinho Elias Viterbino, que estava chegando de Natal, RN para residir em Altamira, era jovem, 23 anos de idade. Imediatamente o pai de Ester a chama para trazer água ao visitante, ela vem devagar, olhando para baixo e...quando levanta a vista, enxerga o homem mais lindo de sua vida. O coração da adolescente dispara, após as apresentações Ester volta à cozinha e fica pensando no primo que conhecera recentemente.

Na sala, Elias também pensa na prima e no final da prosa com o tio, resolve perguntar se ela já é comprometida, o tio diz que não e Elias a pede em casamento, só que para 3 anos depois, porque ainda estava chegando de viagem e precisava organizar a vida. O tio aceita e sela o compromisso, dentro de 3 anos, Elias retornará para casar com Ester.

Ester é comunicada que está noiva, seu coração acelera mas ela não diz nada, intimamente está feliz.

3 anos passam rápido, enquanto isso, a mãe da noiva prepara o enxoval, tudo simples mas bonito. Elias chega no tempo previsto, e casa com Ester e a leva para sua casa, ela ainda não tinha tido a menarca e Elias decide esperar para depois possuí-la.

Tiveram cinco filhos, quatro meninas e um menino.

Essa mulher, não gostava muito das prendas domésticas, preferia ir para a roça, plantar todo tipo de hortaliças ou colher café, eles viviam em um sítio abastado, mas quando se tratava em organizar a casa, ela acabava pedindo para o seu amor tomar a frente, e ele fazia sem nenhuma dificuldade, sua mulher definitivamente não gostava da lida doméstica.

Montava à cavalo, tirava leite das vacas, cuidava dos filhos, essa era a rotina de Ester, e além disso, à noite, ia com o seu marido e filhos para a igreja. A caminhada era longa, cerca de três quilômetros, levavam uma lamparina para clarear o caminho, e, em dia de lua cheia, a claridade era tanta que eles apagavam a chama.

Um dia, Ester cai do cavalo e quebra o fêmur. Como a cidade era isolada, ela foi imobilizada e durante uns tempos ficou sem andar, quando todos imaginaram que não andaria mais, eis que a pequena mulher voltou a andar, puxando de uma perna levemente, mas isso não a impedia de nada.

Ester amava trabalhar ao lado de Elias na roça. Enquanto ele fazia buracos no chão, ela colocava as sementes e cobria os buracos, nunca reclamava, trabalhava cantando sempre hinos antigos.

Os filhos casaram, entre eles, minha mãe, a filha caçula. Durante um bom tempo, meus pais permaneceram longe da casa do seu Elias por problemas familiares, mas depois que a minha mãe teve as filhas, o coração do seu pai amoleceu e fomos morar na casa dos meus avós.

Sempre fui a neguinha preferida deles, quando chegava da escola, ia brincar de me esconder com os meus primos e irmãs. Havia no quarto dos meus avós um baú enorme, onde eles guardavam suas roupas cheias de naftalina, era lá que eu ficava, bem quietinha, mal respirando, quase nunca era encontrada.

Também saía para pescar com o meu avô Elias, nos finais de semana. Ele levava um tamborete e ficava sentado esperando o peixe puxar a linha, quando o peixe viscava no meu anzol eu gritava: Vô, vô, me ajuda, e ele puxava a linha para mim, era uma emoção sem medida.

Os anos foram se passando, éramos muitos felizes, eles sempre foram exemplo de amor, quando sentavam juntos, as mãos se buscavam, os olhos se encontravam sempre, era delicioso viver naquele ambiente.

Meus pais retornaram para a sua casa, mas eu permaneci na casa dos meus avós, morávamos na mesma rua.

Minha avó ainda muito jovem, começou a esquecer das coisas... Se colocava a comida no fogo, esquecia e queimava, quando era madrugada, levantava e sem avisar ninguém ia para a roça, quando acordávamos, ela já não se encontrava, meu avô ficava preocupado, e ia atrás dela, que não lembrava de nada do que fizera. Vovó Ester estava com algum problema de esquecimento. Levada ao médico, esse disse que ela estava realmente ficando esquecida, que chegaria o momento de não lembrar de mais nada, que tínhamos de vigia-la dentro de casa se não ela poderia fugir. Meu avô chorou muito, a sua companheira estava doente.

Nunca vi o meu avô blasfemar por causa disso, pelo contrário, ele se desdobrava de atenção com a sua esposa.

Chegou um momento de vovó Ester esquecer tudo, chamava o seu marido de vovô, repetindo o que falávamos, mas observamos que ela sentia ciúmes dele, sempre que o abraçávamos e ela via, logo vinha e nos empurrava de leve, olhava para ele com lágrimas nos olhos, repetia, vovô, vovô...Ele a abraçava e ela ria.

Meu avô costumava dizer que não queria morrer depois dela, que seria muito dolorido, que preferia ir antes.

Mesmo com a minha avó doente, fizemos a festa de Bodas de Ouro, ela ficou sempre ao lado dele, olhando as fotos, vejo como ela estava elegante.

Em tempo: Ela sempre repetia a oração do Pai Nosso, bastava-nos iniciar e ela falava decorado até o final.

Eu sempre dava banho nela, era gostoso pentear seus longos cabelos e trançar depois, quando eu fazia isso, costumava fazer cócegas na vovó e ela gargalhava.

Bem, aos 82 anos, meu avô teve um enfarte fulminante, partiu sem se despedir do seu amor.

Vovó, como que sentindo a ausência do marido, o buscava nos cantos da casa, no jardim, repetindo sempre, vovô, vovô, então nós explicávamos que o vovô tinha viajado, e as lágrimas caíram, só que ela não falava outra coisa.

Passados seis meses, ela adoeceu. Não aceitava alimentos, cuspia o que oferecíamos, repetindo sempre vovô, vovô. Nós a levamos ao médico, Ele passou soro, mas nada, ela não queria mais viver.

Quando adoeceu, ficava deitada todo o tempo.

Um dia, minha mãe mandou chamar o pastor da nossa igreja, minha avó estava fraquinha, ele veio orar junto a ela, depois tomou a sua mão e cantou um hino lindo, ela fechou os olhos e partiu para a outra vida, parecia um passarinho, sumiu suavemente, como um sopro. Foi ao encontro do seu amor.

Bem, hoje sei que minha avó Ester sofria do Mal de Alzheimer, só que à época, nem se falava nisso, costumavam dizer que ela estava caduca.

Tudo o que fizemos foi cuidar dela com amor, era o nosso bebê.

Meu avô Elias fez parte dos meus sonhos durante vários anos, rara as vezes que eu não sonhava com Ele, depois, nunca mais aconteceu, sinto saudades.

Minha avozinha nunca realizou o seu sonho de viajar de avião, mas , alçou o vôo para a eternidade, foi ao encontro do seu amor.

Meus avós, foram um exemplo de amor eterno para mim, como os albatrozes que são fiéis, também o foram além da morte, ficou impossível viver longe um do outro.

Deles herdei a alegria, a luta por meus ideais, a vontade de persistir mesmo nas adversidades, o amor pela vida, a alegria genuína, o respeito pelo meu próximo, o prazer de ser mãe, enfim, deles herdei tudo que faz do ser humano, um bom cidadão.

Também sou como o albatroz, não temo as tempestades que vem ao meu encontro e sou fiel ao meu amor.

Adi
Enviado por Adi em 04/05/2008
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