Noite de chuva no Bixiga

Adormeceu com a TV ligada, durante os últimos meses esse á o acalanto com que tem dormido. Noite após noite se lembra de quando era criança e a mãe, frequentemente, ia até a cama, a cobria, lhe afagava os cabelos e contava longas histórias, sempre interrompidas por palpites da filha levada que lutava bravamente contra o sono ou, quando o pai, nos raros momentos em que estava em casa, passava horas lhe cantando cantigas de roda, músicas gaúchas ou gitanas até que a filha caçula dormisse.

Mas, nesta noite, e nas últimas três, uma lembrança lhe vinha em mente, um homem que acabara de conhecer, que a olhava com seus profundos olhos azuis, a abraçava fortemente e lhe fazia amor, exatamente do jeito que ela fantasiava quando era menina.

Acordou com o som do celular, uma mensagem, sonolenta foi ver do que se tratava. Algo urgente, pensou. A chuva continuava a cair, o apartamento todo fechado tornava o ar abafado. Tropeçando nos móveis de uma sala que ainda não conhecia bem o bastante para andar no escuro chegou até a bolsa e pegou o telefone. Era ele. Seu coração acelerou no mesmo instante, um sorriso lhe aqueceu a face, o mesmo sorriso com que tem dormido nos últimos dias, desde a noite na urca.

Chega mais uma mensagem, e aumenta ainda mais a vontade de estar perto, bem perto. Ela tenta dormir, vira de um lado a outro. Uma torrente de lembranças invade a cabeça, uma torrente de água escorre pelo telhado. Horas da mais doce insônia que já viveu.