E se eu pedisse perdão?

Resolvi andar até a rodoviária, pois, como não sabia os horários em que haveria ônibus, qualquer hora que chegasse, serviria. Sêneca já disse algo parecido há muitos séculos (“Para quem não sabe para onde quer ir, qualquer vento serve”), mas ele não conhecia as rodoviárias.

Logo após o viaduto da Avenida dos Estados, em Bal. Camboriú, há um reduto de prostitutas, normalmente sujas, mal vestidas e meio assustadoras. Funciona 24 horas por dia e, se ali estão, é porque existe freguesia. Meu caminho passava por lá.

“Essa aí não dá pra pagar nem dez real: tá embuchada, né tio?”, provocou, brincando, um jovem com vários dentes faltando e vestido igual às moças que formavam uma rodinha fumante com ele. Eu estava leve e descontraído e minha boca, como acontece muito, falou mais rápido do que o bom senso e, no mesmo tom de brincadeira dele, retruquei: “Ah, mas cinco vale” e continuei meu caminho enquanto todos riam, inclusive a vítima da chacota, que, a essa altura, se tornara mais vítima ainda.

Nem demorou tanto e estava embarcado. Nunca precisei virar eremita para ter tempo para refletir, as viagens me bastam. Dirigir, sem mais ninguém no carro, já é uma ótima oportunidade, mas num ônibus, de preferência sem ninguém ao lado, melhor ainda, como naquele sábado. Bateu a consciência, e bateu forte. “Cinco reais”! Desconto por estar “embuchada”. Ah!, mas é apenas uma prostituta de beira de estrada... Consolo mais besta. Nego-me a entrar na cantilena das razões de alguém estar na prostituição, embora sempre existam, muito menos cair na idiotice da condenação (se fosse para condenar todas as pessoas que se prostituem iria sobrar para tanta gente....). No tempo em que trabalhei na prevenção de AIDS, aprendi a ver essas moças de uma forma muito mais humana e, definitivamente, sem um montão de preconceitos.

Ela foi e é humilhada, sei lá quantas vezes, diariamente, quem sabe, por ser prostituta e pior, nessa condição, por estar grávida. Humilhada por ser quase mãe. A mercadoria perdeu valor por carregar uma semente. Semente com muitos pais, mas com nenhum definido. À beira da estrada, perdendo os dentes, as roupas, a saúde, o amor próprio. E eu com uma brincadeira de mau gosto, impensada, ofensiva.

O ônibus me levou para longe dela. Antes voltasse para que eu lhe desse um abraço de pedido de perdão. Um abraço como ela nunca recebeu. Eu não ganharia nada, mas minha alma ficaria mais leve. E muitas vezes, é tudo que a gente precisa.