Adeus ao menino de Sampa

Um aglomerado de gente aquela hora da manhã, não era normal, tampouco a viatura policial estacionada próxima...aproximei-me, afastei as pessoas á frente para saciar minha curiosidade. Para ver maltrapilho e maltratado, um corpo inerte, exangue, anoitecido. Como se o sono o houvesse apanhado em meio aquela poça de sangue, que já não circula em suas veias, força esvaída, delatando sua pobreza eloqüente, e nossa miserável condição humana. Na camisa aberta ao peito, a feia ferida por onde sua vida se esvaira...era um jovem de rua, um homem sem passado, cujo futuro se expunha no chão. Diziam as pessoas, que fora briga por drogas, domínios que o estado oculta mas não justifica, um golpe único e fatal . Lembrei do menino de Sampa que vira meses antes dormindo, num sofá abandonado na rua, e agora naquele ser que havia morrido sem viver, um jovem homem que jamais fora menino, como uma magia senti um perfume de infância no ar circundando o corpo sem vida, investiguei os rostos ao redor, para ver se sentiam, mas qual, uns tristes, outros curiosos, indeferentes, nenhuma lagrima ... nem as minhas. Ruía minha cidade aos pés do jovem, haveriam de lhe dar uma cova rasa, sem nome ou identificação, era a paga por nascer condenado a vida, negado lhe fora carinho e educação, amor e compaixão. Sepultado será sob os escombros desta cidade, e nem lembrança terá, se não de um incidente rotineiro na manhã desta quinta feira de Sampa. Os sinos do relógio da Igreja da Consolação, toca a meia hora que vai compor oito horas desta manhã...sigo minha rotina...deixando no caminho o cadáver do jovem que havia sido ... um dia o menino de Sampa.

Carlos Said

Dias de Sampa

Recanto das letras

Carlos Said
Enviado por Carlos Said em 08/05/2008
Reeditado em 01/09/2013
Código do texto: T981221
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