Obviedade?
(Dedicado aos amigos que registram suas vidas aqui)
"Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou – o que é muito pior – por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas"
(Caetano Veloso, Livros)
Tudo pode parecer óbvio mas não existe se não for dito e também não hesito em dizer que não sou o primeiro a observar o que direi agora. No entanto, percorrendo os "sites" dos amigos, as suas produções, vejo-me novamente envolvido por aquela sensorialidade que percorre todo o corpo, estimula todos os sentidos, dá sabor na boca, perfume, em alguns casos chega-se a ser táctil, como o amor que Caetano canta na música "Livro".
É impossível não ver o escritor ou a escritora lá, é impossível não ouvir uma recitação sem encantar-se. Quando era bem mais jovem era freqüente sentar junto a alguém que declamava, comentava, lia. Esses momentos mágicos, me fazem trazer à lembrança figuras que eu nunca mais vi e depois de mais de vinte anos sem vê-los, posso dizer que perdi a esperança, deixo ao acaso um possível reencontro.
Figuras como a de Gláucia com a qual troquei poemas, ela lendo os meus, emprestando sua voz à eles e eu, com a garganta menos judiada pelo cigarro, a ler os dela, como numa comunhão literário-afetiva.
Sei que ali nasceu uma afetividade calada, explodindo sem ser dita, notável a qualquer um, menos a nós, ou mesmo à nós que não conseguimos quebrar outros laços para lançarmo-nos na nossa viagem entre versos e amores, nem todos vãos.
Ou talvez ler e ouvir me evoque a lembrança de Marisa, a poetisa e escritora atormentada que só poderia ter sido encontrada morta ao lado dos seus livros, na biblioteca. Esse amor tivemos a coragem de viver e é por isso que quando lembro-me dela, há um travo, uma percepção que tudo acabou mais cedo do que deveria, de forma trágica, ou tão óbvia quanto às obveidades não ditas.
Obveidades? Porque ter medo de ser tolo em falar o que já foi dito? E o que já não foi falado? Digo: o que não foi falado é sobre nós, eu e você, da forma que pensamos e sentimos e que pode confluir tanto para outros sentimentos e pensamentos que na sua arrogância dizem para nos calarmos porque tudo já foi dito.
O que eu digo, escrevo e vivo, é inédito, sem cópia exata, sem "xerox" autenticado. O meu dizer, escrever, olhar, é meu e não é igual a ninguém. Por isso louvo os poetas, os músicos, os leitores e os loucos.
Loucos todos nós em proclamar para um mundo que não quer ouvir, loucos por afirmar o ser em um mundo que traduz a tudo e a todos por cifras, "status", conveniências... Será que os loucos dessa espécie não são as verdeiras pessoas?