Ser velho
“O tempo não perdoa”, “A vida começa aos 40”, “Ser jovem é questão de espírito”, “Panela velha é que faz comida boa” “Os bons vinhos, quanto mais velhos, melhores”. Você certamente pode acrescentar uma lista de ânimos e desânimos sobre a maturidade, a idade ou a velhice. Certos vinhos, não todos, ficam melhores com o tempo: podem perder a acidez, reforçar suas qualidades, mas, sejamos justos, também acentuar certos defeitos. Temos certas vantagens sobre os vinhos: não dependemos tanto da safra, embora ajude, podemos escolher ficar mais ácidos ou mais agradáveis e, finalmente, não é impossível revelarmos nossa sublimidade com o tempo. E suavizar nossos defeitos.
Igualzinho aos vinhos, mais do que a idade, os adjetivos é que importam: Somos velhos ranzinzas com 20 anos de idade quando permitimos que a intolerância guie nossos passos; somos sepulcros caiados aos 30 quando nos agarramos aos preconceitos; somos tristes simulacros aos 40 quando teimamos em fechar nossos olhos e corações para as belezas do mundo; somos uns frustrados aos 50 quando julgamos sem conhecimento de causa e sem empatia; somos um peso social aos 60 quando nos entregamos ao desânimo; somos uma desgraça aos 70, quando desistimos de lutar; somos um péssimo exemplo aos 80, quando perdemos o sorriso; somos uns coitados aos 90, quando passamos a não acreditar; somos um desperdício e um engano aos 100, quando acreditamos que a vida acabou. As idades não importam, você pode escrever os números que quiser, o que conta são as atitudes e elas independem da idade, embora se agravem um pouco em alguns, com o passar dos anos.
Acordar todo dia para um novo começar, assobiar para as dificuldades e encará-las como o sal da terra, saber colher uma maçã ou uma flor; deixar a natureza pintar o alvorecer e o pôr do sol em nossos olhos; viver cada hora como se fosse a única e, no entanto, acreditar num futuro sempre infinito; ter coragem de sorrir, gritar, chorar, sujar as mãos e os cabelos; amar as pessoas e não admitir preconceitos; não julgar; experimentar pratos e sensações; saber que o dinheiro só compra, mesmo, o que pode ser comprado; ter coragem de ser criança e de ser feliz. Eis aí uma pequena receita de ficar velho e ficar jovem.
Não importa a quantidade ou a falta de cabelos brancos: importa a alegria de viver; aí a velhice vem com dignidade e abençoada.